31.1.06

Projeto de Pesquisa

(Espero contar, com a publicação do presente projeto, com colaborações na forma de sugestões, comentários e críticas. Obrigado.)
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1- Identificação


1.1 - Título

Tradição, Regionalismo e (Pós)Modernidade por Nordestinados, de Marcus Accioly


1.2 - Área de Concentração e Linha de Pesquisa

Teoria da Literatura – Literatura e Estudos Culturais


2 - Estrutura


2.1 – Apresentação

Marcus Accioly e Nordestinados:

“Foi em Jaguaraba que eu escolhi e fui escolhido pela natureza. Pelos 14 anos, abandonei o Colégio e passei lá um tempo inteiro e sozinho, sem voltar ao Recife uma única vez. Durante esse período, convivi tão intensamente com a natureza que, se nunca mais tivesse a oportunidade de tocar em uma árvore, ouvir um pássaro, ver um animal, eu sempre saberia do vegetal, da ave e do bicho que existem dentro da minha natureza.” – Marcus Accioly(1)

Marcus Moraes Accioly, poeta, nasceu em 21 de janeiro de 1943, no engenho Laureano, em Aliança (Mata Norte de Pernambuco). É Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco - de onde é professor aposentado. Exerceu as funções públicas de coordenador cultural do Nordeste/MEC, chefe da 4ª Superintendência Regional/SEC-PR e de Secretário Executivo do Ministério da Cultura. Recebeu onze prêmios literários, entre eles o da Associação Paulista dos Críticos de Arte/85-APCA e o Olavo Bilac/85, da Academia Brasileira de Letras. Publicou os seguintes livros de poesia e um Manifesto: Cancioneiro (Recife, Universitária, 1968), Nordestinados (Recife, Universitária, 1971; Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978; Rio de Janeiro, José Olympio/Fundarpe, 1986), Xilografia - Poesia gravada por José Costa Leite (Recife, CEPE, 1974), Sísifo (São Paulo, Quíron, 1976), Poética: Pré-Manifesto ou Anteprojeto do Realismo-Épico (Recife, Universitária, 1977; Recife, Edições Bagaço, 2005), Íxion (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978), Guriatã (Rio de Janeiro, Brasil América, 1980; São Paulo, Melhoramentos, 1988 e 2000; Recife, Edições Bagaço, 2005), Ó(de) Itabira (Rio de Janeiro, José Olympio, 1980), Narciso (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984), P/Bara(ti)nação - Hestória da República (Rio de Janeiro, Melhoramentos, 1986), Érato - 69 Poemas Eróticos e uma Ode ao Vinho (Rio de Janeiro, José Olympio, 1990) e Latinomérica (Rio de Janeiro, Topbboks, 2001). É o atual presidente do Conselho Estadual de Cultura/PE e ocupa, desde outubro de 2000, a Cadeira 19 da Academia Pernambucana de Letras. Teve sua poesia traduzida para o francês, espanhol e alemão.

Marcus Accioly é um poeta de sua terra, de seu chão; da perspectiva cósmica das coisas que têm sua gênese no movimento telúrico que dialeticamente opõe o local ao universal - mesmo que às vezes por um viés relativamente metafísico (como se a poesia a partir de João Cabral de Melo Neto reclamasse um “fisicismo” puro). É poeta das sagas das gentes; da epopéia, vida, feitos, sentimento e bravura - e especialmente em Nordestinados - do povo e valores - expiação - nordestinos. Disse Roland Bhartes, em O rumor da língua, que o escritor moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto (2004); Accioly, em sua infância de menino de engenho pernambucano, certamente nasceu no ventre de sua própria poesia e poetizou intensamente sua própria vida. Creio que foi essa a percepção que levou Ariano Suassuna, no prefácio à 1ª edição de Nordestinados, a enfaticamente dizê-lo do estro do poeta: “A poesia de Marcus Accioly é tão vigorosa e áspera quanto a escultura de Fernando Lopes da Paz ou quanto os ‘galopes’ e ‘repentes esporeados’ de Guerra Peixe e Capiba”(2). De outra sorte, Alberto Cunha Melo, em comentário de orelha do mesmo livro, diz que “o levantamento poético dos elementos mais díspares e característicos da cultura nordestina, através de uma decantação lingüística, onde o próprio romanceiro popular, a poesia dos cantadores e a fala do povo se deixam filtrar através da arte”, fazem-no considerar seu autor “um dos mais fortes poetas da chamada Geração-65”(2). Carlos Drummond de Andrade, César Leal e Eduardo Portella(1) foram outros nomes significativos que elogiaram a poesia de Marcus Accioly.

Em parte tributário a João Cabral (de quem foi amigo próximo) na dicção, estilo e na poética regionalista de denúncia e preocupação sociais, Marcus Accioly efetivamente desenvolve em seus versos da terra uma tensão dramática - e ideológica - num patamar - e alcance - estéticos e líricos sobremodo sofisticados, como podemos observar nestes trechos de Nordestinados, livro que também conta, numa abordagem de suas essencialidades ônticas, com os tópicos Sertão-Sertões, Feira de Pássaros e Poética dos Violeiros:

A Pedra Lavrada(3)

(...)
“A safra que se espera/A mão do dono apanha,/Porque a mão que lavra/A pedra à mão, não ganha./Porém recolhe a larva/Da pedra não estranha,/Pois se colher da safra/A mão que lavra, apanha.
(...)
E se antepõe o lucro/Do qual o lavrador/Retém, como é costume,/A lavra não, a dor./Pois sendo a safra farta/De fruto grão e flor,/O lavrador se esquece/E lavra a própria dor.”

Lucila Nogueira, em tese de doutoramento acerca da poética social de João Cabral - O Cordão Encarnado, ao comentar o ímpeto desse tipo de denúncia - engrossada e intertextualizada, como salienta, pelos discursos de Graciliano Ramos, Cândido Portinari, Josué de Castro e Francisco Julião, afirma, até com certa nostalgia, que “surgem todos como painéis de um caleidoscópio a se revezar na construção da mandala de uma plenitude ainda não alcançada” (2001: 601).


Tradição, Regionalismo e (Pós)Modernidade:

“Eu sou brasileiro na medida em que sou nordestino e sou nordestino na medida em que sou pernambucano.” – João Cabral de Melo Neto(4)

“O meu pai era paulista/meu avô, pernambucano/o meu bisavô, mineiro/meu tataravô, baiano/vou na estrada há muitos anos/sou um artista brasileiro” – Paratodos - Chico Buarque de Hollanda(5)

“Esse Nordeste (...) das casas-grandes dos engenhos. (...) O Nordeste da primeira fábrica brasileira de açúcar (...) e talvez da primeira casa de pedra-e-cal, da primeira igreja no Brasil (...), do Palmares de Zumbi” – Gilberto Freyre(6)

Como se sabe nos nossos meios literários e acadêmicos, houve, nos anos 20 e 30 do século passado, muita controvérsia e discussão em torno do Regionalismo, tradicionalista ou não, na literatura brasileira, principalmente na da Região Nordeste. Neroaldo Pontes de Azevêdo, em “Modernismo e regionalismo (Os anos 20 em Pernambuco)” (1984), traçou, mais descritivamente, o perfil, naquele período, do célebre embate em Pernambuco entre o “recém-nascido” Modernismo e os defensores do enfoque regionalista-tradicionalista nas artes e cultura nacionais, vale dizer - Joaquim Inojosa x Gilberto Freyre. Posteriormente, Moema Selma D’Andrea em “A tradição re(des)coberta: Gilberto Freyre e a literatura regionalista” (1992) apontou - ou procurou apontar -, com menos neutralidade de posição que Azevêdo e adotando uma postura de crítica sistêmica (com os riscos que ela própria reconhece - vide pp. 11-12), o conteúdo ideológico de conservadorismo, elitismo e “nostalgia do patriarcado” que subjaz ao discurso regionalista-tradicionalista de Gilberto Freyre, tido como principal mentor e guia - conforme, inclusive, Massaud Moisés (2001: 134) - do movimento sócio-cultural alternativo ao Modernismo. Por fim e por mais recente, foi acrescida à polêmica a importante lição de Maristela Oliveira de Andrade. Maristela, ao adotar sua abordagem e visão crítica sobre o tema, contrapostas às de D’Andrea, em “Cultura e tradição nordestina: ensaios de história cultural e intelectual” (2000), esforça-se - com um olhar de menos “ressábio epistemológico” e “ojeriza” freiriana - e pelo prisma de antropóloga que é -, por resgatar a importância dos escritos e observações de Gilberto Freyre (que junto com Silvio Romero e Câmara Cascudo formariam, na sua opinião, uma escola de “Antropologia Nordestina”) no contexto e à luz das premissas de uma das correntes antropológicas de pensamento da época (Freyre adotara o Culturalismo do antropólogo Franz Boas), e por entender ser essa, exatamente, a principal causa da relativa reserva e oposição ao cientista pernambucano; haveria assim uma reação “contra-doutrinária”- e sistêmica - da hegemônica e uniformizadora (econômica e culturalmente falando) intelectualidade do “Sul” (principalmente de São Paulo e do Rio de Janeiro), que escolhera seguir o magistério positivista de Max Weber na concepção e entendimento das ciências sociais. (Cf. Moisés, 2001: 135)

Cumpre-me ressalvar, nesta altura da argumentação, o seguinte: não me passa ao pensamento, necessariamente, a idéia do imperativo de algo como a “reabilitação” de Gilberto Freyre caso se pretenda revisar, reestudar, reavaliar criticamente o discurso regionalista e os elementos de tradição - e modernidade - presentes nas obras artísticas recentes (ou mesmo mais antigas), e especialmente as literárias, no Nordeste do país ou fora dele; não vejo uma premente exigência dessa ordem. Conhecemos, com efeito, do alcance da análise sócio-antropológica freiriana, como sabemos que o seu híbrido discurso (literário e científico) esteve de fato repleto de um curioso exotismo, de um tratamento conservador quanto à figura do negro e da mulher e às convenções sociais, culturais e políticas vigentes à época - tudo isso bem apontado por Moema D’Andrea em sua obra supracitada. Entretanto, penso que talvez tenha faltado a D’Andrea (mesmo na análise dos textos, como ela mesma diz, “menores” de Freyre) - e falte a outros críticos do antropólogo pernambucano - uma maior acuidade, sensibilidade e consideração ao traço etnográfico, qualitativo, predominantemente novo - de reconhecido valor científico por diversos outros estudiosos -, que ao ser usado por Freyre legou-lhe uma exposição pessoal direta, um desnudar-se maior a perfis e comprometimentos de opinião e ideológicos, de tratamento e acolhimento, sabemos bem, tão ambíguos e dissimulados em nossa contraditória sociedade. Vale a pena observarmos o que disse Roberto da Matta ao opor “à práxis dominante” o método inovador freiriano:

“Se um rígido universo conceitual era (e ainda é) o grande esconderijo de todos os ‘cientistas sociais’ que falam de totens e de classes sociais, de estruturas e de categorias científicas evitando, como o Diabo a cruz, falar de si mesmos e de suas sociedades; o ‘método ensaístico’ escolhido por Freyre obriga o Autor a colocar-se (com seu sistema de valores) no centro mesmo da narrativa. Deste modo, não se fala mais de Brasil como se o “Brasil” fosse uma espécime natural, mas se discursa sobre a ‘realidade brasileira’”(7)

Outrossim, em seu controvertido Manifesto Regionalista, o “reacionário” e “elitista” Gilberto Freyre é capaz de considerações “progressistas” como as seguintes:

“De modo que, no Nordeste, quem se aproxima do povo desce a raízes e a fontes de vida, de cultura e de arte regionais. Quem se chega ao povo está entre mestres e se torna aprendiz, por mais bacharel em artes que seja ou por mais doutor em medicina.”(8)

Recolhendo, portanto, o foco sobre o discutível, mas inquestionável, valor intrínseco de Gilberto Freyre como pensador social contemporâneo, continuo, todavia e por questão de convicção, a considerar e mirar os seus conceitos e lições sobre região, Regionalismo (cuja advertência da necessidade de articulação com o universal foi por ele tempestivamente posta), Modernidade e Tradição, apostos no Manifesto Regionalista e em Região e Tradição (Freyre, 1968), entre outros escritos seus (sem deixar de lado o magistério concorrente de Josué de Castro(9) e de outros), ao entender, nada obstante os excessos, lacunas e pormenores detalhistas do Mestre pernambucano, que ainda são válidos esses seus enfoques analíticos quando do estudo das expressões culturais modernas (ou pós-modernas), especialmente literárias, que se possam sondar como regionais e de cunho tradicionalista. Penso que a sua “máxima”:

“Pois de regiões é que o Brasil, sociologicamente é feito, desde os seus primeiros dias. Regiões naturais a que se sobrepuseram regiões sociais.”(8)

como as lições convergentes de Nelson Saldanha e Darcy Ribeiro:

“o termo [região] evoca a um tempo a unidade geográfica e a destinação histórica: paisagem e cultura.” (Saldanha, 1985: 6) (Grifos meus.)

“o regionalismo entendido como ‘fidelidade’: a fidelidade dita telúrica (...) a demonstração da permanência das raízes. Esse é o caso do escritor ou do pesquisador que ‘representa’ sua terra. (Saldanha, 1985: 17) (Grifo meu.)

“Este livro é um esforço (...) pelo estudo das linhas de diversificação que plasmaram os novos modos regionais de ser” (Ribeiro, 1995: 26)

dizem muito do que aconteceu e vem acontecendo no cenário atual das manifestações culturais.

O hoje internacional cantor e compositor pernambucano Lenine gravou, na década de 1990, “Leão do Norte”(10), numa apoteótica e bela celebração a Pernambuco e à cultura e tradições vivas do Estado. No já citado “Paratodos”, de Chico Buarque de Hollanda, do mesmo período, o poeta e escritor carioca cruza e vincula sua versatilidade artística com a relação atávica mantida com o Brasil das culturas e regiões de seus diversos “brasis”. Vital Farias denuncia, em trabalho da década de 1980, os maus tratos dos “estrangeiros” à Amazônia, sua gente, fauna e flora, na belíssima canção “Saga da Amazônia”(11). Luiz Gonzaga, há mais tempo, cantou o universal x regional de “A Feira de Caruaru”(12), e Caetano Veloso, em 1978, falou, em “Sampa”(13), da “dura poesia concreta” das esquinas de São Paulo.

Na poesia (e teatro), além das já conhecidas expressões de tradição e regionalismo de Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Joaquim Cardozo, Carlos Pena Filho, Patativa do Assaré, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, entre outros, notamos, contemporaneamente, manifestações de caráter tradicionalista em César Leal – p. ex. o poema Recife (1994:35) – além, evidentemente, daquelas em Marcus Accioly -, e acompanhamos o poeta hodierno Soares Feitosa(14) na sua abundante fala sobre as terras, usos e costumes do Sertão-Nordeste.

Ainda quanto à questão tradição x modernidade, regional x universal, sabemos que Mário de Andrade, antes e depois de Macunaíma, fizera as suas conhecidas críticas ao Movimento inicial de 22 e seus desdobramentos, vistas as contradições neles existentes, principalmente entre discurso e prática. A “madura” Geração de 45 já havia se desligado dos arroubos modernistas da - principalmente - jovem intelectualidade paulista, que, segundo observação de Massaud Moisés,

“sendo antipassadistas, guiavam-se por um ferrenho nacionalismo, o que significava retomar as tradições legitimamente brasileiras. E, assim, mostravam-se a um só tempo modernistas (...), ansiosos de atualidade, e tradicionalistas.” (2001: 24) (Grifo meu.)

Maristela de Andrade, ao eleger o critério tradição como suporte para traçar o perfil da cultura nordestina, e ao analisar o momento presente de esgotamento dos modelos de modernização, afirma que

“a sociedade moderna tende a se reconciliar com seu lado tradicional, aceitando incorporá-lo ao conjunto da sociedade, desde que este venha a sofrer um processo mínimo de racionalização.” (2000: 74)

Joanildo A. Burity, em seu estudo sobre o pós-marxismo de Ernesto Laclau, assevera:

“uma tradição não se sepulta nem se abandona simplesmente. Até onde ela foi capaz de se constituir como objeto de adesão de um grupo de pessoas, seus impasses e paradoxos remetem sempre para possibilidades abertas e (ainda) irrealizadas”(15)

Em tempos de Globalização (e pós-modernidade), cujo projeto ideológico de pensamento é situar o global no local, a partir, paradoxalmente, do reconhecimento da descontinuidade, fragmentação e desordem referenciais - creditadas, note-se (apesar de isso ser sutilmente dissimulado), à impotência do humanismo liberal em sua relação descompassada com o capitalismo moderno (e daí, por isso mesmo, a mistificação) - e apesar do descentramento que esses processos provocam nas instâncias de cultura, trabalho e poder das sociedades, principalmente as periféricas -, surgem os Estudos Culturais a enfocar a Cultura como um valor em si; as manifestações - também - desses locais fragmentados, mas mesmo assim considerados “locais”; dos saberes populares; dessas representações - antes, na maior parte, excluídas dos principais estudos acadêmicos. Penso tal movimento como sendo, mesmo que talvez não tão diretamente, uma revalorização dos aspectos de folclore, tradição, usos, saberes e fazeres próprios de um grupo ou comunidade/sociedade, per se, na linha do ressurgimento/reafirmação imaginados por Milton Santos em seu “Por uma outra Globalização - Do pensamento único à consciência universal” (2005). Uma espécie de reconhecimento do valor do regional-tradicional, seja de voz erudita, como a de Marcus Accioly, ou popular, como o fez, entre outros, Patativa do Assaré. Vejamos uma dessas posições dos Estudos Culturais:

“É um projeto de pensar através das implicações da extensão do termo ‘cultura’ para que inclua atividades e significados da gente comum, precisamente esses coletivos excluídos da participação na cultura quando é a definição elitista de cultura que governa (BARKER e BEEZER, 1994, p. 12).” (Apud Tadeu da Silva, 2004: 150)


2.2 - Justificativa

Nordestinados é um livro, como já foi dito, que trata da substância do Nordeste: suas coisas, águas, animais, vozes e feitos; terras, sentimentos, valores, gente - tradições. É importante a investigação, na forma e método apresentados, desses elementos de região/nação - e tradição - presentes em Marcus Accioly - e a partir do estudo do seu traço poético moderno, peculiar, executado em torno de 50 anos depois da eclosão de nosso regionalismo literário -, porquanto essa análise tenderá a nos desvendar como o poeta alinhava, em seu discurso - estético e ideológico -, a dimensão regional e local com o universal - telúrico e humano. Que denúncias e revelações existenciais - literárias e sócio-culturais (inclusive do momento presente) - estão gravadas em Nordestinados, e como confrontá-las com outros escritos contemporâneos paralelos e com as tendências literárias e culturais da pós-modernidade que lhes guardem proximidade.


2.3 - Objetivos

2.3.1 - Gerais

Estudar em Nordestinados, de Marcus Accioly, as expressões literárias, ideológicas e culturais, de Regionalismo, Tradição e (Pós)Modernidade.


2.3.2 – Específicos

I - Identificar, contextualizar e descrever as manifestações literárias e culturais de Modernidade, Tradição e Regionalismo na poesia de Nordestinados;

II - Destacar em Nordestinados os componentes ideológicos - sócio-político-econômico-culturais e estéticos, nordestinos e nacionais -, fomentados no discurso de Marcus Accioly;

III - Analisar em Nordestinados a eventual articulação e intertextualidade com os argumentos equivalentes, poéticos e ideológicos, de autores nordestinos anteriores a Marcus Accioly e a ele contemporâneos;

IV - Verificar e salientar a eventual correspondência entre o texto de Nordestinados e a poética e traços culturais da corrente dos Estudos Culturais da pós-modernidade.


2.4 – Referencial teórico

O presente estudo terá como referenciais teóricos as concepções de Regionalismo, Tradição e Modernidade de Gilberto Freyre (tendo como principal contraponto o pensamento sócio-antropológico de Darcy Ribeiro), o conceito marxista de ideologia de Louis Althusser e as categorias de pós-modernidade literária e cultural enfeixadas na escola dos Estudos Culturais.


2.5 – Metodologia

I - Pesquisa e arrolamento - em bibliotecas públicas e privadas, bases de dados institucionais e na Internet, revistas, jornais e audiovisuais - em obras de referência e outras; artigos, resenhas, ensaios etc. -, dos conceitos veiculados pelo presente estudo, com fins à consecução dos objetivos aqui estabelecidos;

II – Realização de entrevistas com o poeta Marcus Accioly e com outras personalidades, definidas a posteriori, relacionadas e afins aos objetos de estudo deste trabalho;

III – Participação em palestras, seminários, congressos e outros eventos, acadêmicos ou não, que guardem, direta ou indiretamente, correlação com os objetos de estudo aqui propostos.


2.6 - Bibliografia

ACADEMIA PERNAMBUCANA DE LETRAS – Marcus Accioly – O Engenheiro João Cabral, Marcos Vinicios Vilaça – Poeta, Terra e Tempo, Recife, UFPE, 2003.
ACCIOLY, Marcus – Nordestinados, Recife, Universitária, 1971.
ANDRADE, Manoel Correia de – Escravidão e Trabalho “Livre” no Nordeste Açucareiro, Recife, Ed. ASA Pernambuco, 1985.
ANDRADE, Maristela Oliveira de – Cultura e tradição nordestina: ensaios de história cultural e intelectual, João Pessoa, Ed. Manufatura/Fundação João Fernandes da Cunha, 2000.
AZEVÊDO, Neroaldo Pontes de – Modernismo e regionalismo (Os anos 20 em Pernambuco), João Pessoa, Secretaria de Educação e Cultura da Paraíba, 1984.
BANDEIRA, Manuel – Estrela de uma vida inteira, 20ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993.
BHABHA, Homi K. – O Local da Cultura, 3ª reimpressão, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2005.
BHARTES, Roland – O rumor de língua, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 2004.
BURITY, Joanildo A. – Desconstrução, Hegemonia e Democracia: O Pós-Marxismo de Ernesto Laclau – http://www.fundaj.gov.br/docs/text/jburity01.doc - acessado em 03/11/2005, às 16h00.
CARDOZO, Joaquim – Poemas Selecionados, Recife, Bagaço, 1996.
CASTRO, Josué de – Home page - http://www.josuedecastro.com.br/port/index.html - acessado em 21/11/2005, às 20h30.
D’ANDREA, Moema Selma – A tradição re(des)coberta: Gilberto Freyre e a literatura regionalista, Campinas, Ed. da UNICAMP, 1992.
DA MATTA, Roberto – Dez anos depois: Em torno da originalidade de Gilberto Freyre – http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/artigoscientificos/dez.htm - acessado em 22/11/2005, às 17h00.
EAGLETON, Terry – Depois da teoria – Um olhar sobre os Estudos Culturais e o pós-modernismo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
________________ – Teoria da Literatura: Uma introdução, São Paulo, Martins Fontes, 1983.
FREYRE, Gilberto – Manifesto Regionalista – http://www.ufrgs.br/cdrom/freyre/index40.html - acessado em 18/11/2005 às 19h40h.
________________ – Região e Tradição, 2ª ed., Rio de Janeiro, Gráfica Record Editora, 1968.
________________ – Seleta para jovens, 3ª ed., Rio de Janeiro, J. Olympio, 1980.
LEAL, César – O arranha-céu e outros poemas, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994.
LIMA, Jorge de – Os melhores poemas de Jorge de Lima, 2ª ed., São Paulo, Global, 2001.
MELO NETO, João Cabral de – Morte e vida Severina e outros poemas em voz alta, 16ª ed., Rio de Janeiro, J. Olympio, 1982.
MOISÉS, Massaud – História da Literatura Brasileira – vol. III – Modernismo, 5ª ed., São Paulo, Cultrix, 2001.
NOGUEIRA, Lucila – O Cordão Encarnado – Tese de Doutoramento, vol 2, UFPE, 2001.
PENA FILHO, Carlos – Livro Geral – Poemas, 3ª ed., org. Tânia Carneiro Leão.
RIBEIRO, Darcy – O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil, 2ª ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
SALDANHA, Nelson – Pensamento Social Nordestino, Recife, Ed. ASA Pernambuco, 1985.
SANTOS, Milton – Por uma outra Globalização – Do pensamento único à consciência universal, 12ª ed., Rio de Janeiro, Record, 2005.
TADEU DA SILVA, Tomaz (org.) – O que é, afinal, Estudos Culturais?, 3ª ed., Belo Horizonte, Autêntica, 2004.


2.7 - Notas

1. ACADEMIA PERNAMBUCANA DE LETRAS – Marcus Accioly – O Engenheiro João Cabral, Marcos Vinicios Vilaça – Poeta, Terra e Tempo, Recife, UFPE, 2003.
2. ACCIOLY, Marcus – Nordestinados, Recife, Universitária, 1971.
3. Ibidem, pp. 18 e 21
4. Depoimento [maio 1994]. Entrevistador: José Geraldo Couto. São Paulo. 1994. Entrevista concedida à Folha de São Paulo. São Paulo, 22 maio 1994. Caderno Mais! Apud NOGUEIRA, Lucila – O Cordão Encarnado – Tese de Doutoramento, vol 2, UFPE, 2001, p. 434
5. Paratodos - Chico Buarque de Hollanda - Marola Edições Musicais Ltda, 1993.
6. FREYRE, Gilberto – Seleta para jovens, 3ª ed., Rio de Janeiro, J. Olympio, 1980, p. 13.
7. DA MATTA, Roberto – Dez anos depois: Em torno da originalidade de Gilberto Freyre – http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/portugues/critica/artigoscientificos/dez.htm - acessado em 22/11/2005, às 17h00.
8. FREYRE, Gilberto – Manifesto Regionalista – http://www.ufrgs.br/cdrom/freyre/index40.html - acessado em 18/11/2005 às 19h40h.
9. CASTRO, Josué de – Home page - http://www.josuedecastro.com.br/port/index.html - acessado em 21/11/2005, às 20h30.
10. Leão do Norte – Lenine - Olho de Peixe, 1992.
11. Saga da Amazônia – Vital Farias – Cantoria 1, Kuarup Discos, 1984.
12. A feira de Caruaru – Onildo Almeida, Luiz Gonzaga – Volta pra Curtir, BMG, 2001.
13. Sampa – Caetano Veloso - Sem Lenço, Sem Documento, 1990.
14. FEITOSA, Soares – Home page - http://www.secrel.com.br/jpoesia/francisco.html
15. BURITY, Joanildo A. – Desconstrução, Hegemonia e Democracia: O Pós-Marxismo de Ernesto Laclau – http://www.fundaj.gov.br/docs/text/jburity01.doc - acessado em 03/11/2005, às 16h00.


Lucas Tenório

29.1.06

Maria do Carmo Tavares de Miranda - A opção pelo pensar, por José Mário Rodrigues

Dedicada ao exercício filosófico, a pernambucana Maria do Carmo Tavares de Miranda, que foi assistente do filósofo alemão Martin Heidegger, vive uma reclusão voluntária no Recife








Por José Mário Rodrigues


“Nossa Senhora me dê paciência/ Para estes mares para esta vida”. Assim começa Manuel Bandeira um poema-oração, escrito em 1926. No mesmo ano nascia, na cidade de Vitória de Santo Antão, Maria do Carmo Tavares de Miranda. Os versos do poeta pernambucano são um prenúncio de um caminhar, mas podem ser também uma forma de vislumbrar o destino de um ser que encontrou no exercício filosófico, e durante toda a sua vida, o rumo do amor à sabedoria, à compreensão dos princípios, razões e fins de todas as coisas.

O filósofo alemão Martin Heidegger, considerado um dos maiores pensadores do século 20, de quem Maria do Carmo Miranda foi assistente na Universidade de Friburgo, em Brisgóvia, Alemanha, em 1955, dizia que, para pensarmos a nossa existência, imaginássemos despertando em uma floresta sem veredas ou atalhos, pois a existência de cada um de nós é uma mata fechada onde nenhuma estrada foi aberta.

Construindo a sua própria estrada, Maria do Carmo Miranda desde cedo tomou gosto por ouvir estórias e histórias de viagens, de contos que descobriam mundos além do oceano. Em sua casa “entravam e fervilhavam os acontecimentos da época que falavam de religião, de política, de literatura, arte e educação”.

Delineando o percurso – A opção de Maria do Carmo Miranda pela filosofia aconteceu em um discurso em nome de sua turma de concluintes do curso secundário, quando ela questionou a vida e o seu sentido. Daí resolveu ingressar no curso superior de Letras Clássicas para ampliar os conhecimentos já adquiridos do latim e do grego, através do seu pai, o professor André Tavares de Miranda.

As Letras Clássicas, segundo Miranda, seriam o instrumento indispensável para o estudo da Filosofia. Através delas eram sedimentados os primeiros sonhos e ideais, indicando os impulsos, o surgimento de um desejo de saber sobre o homem e o seu mistério, sobre a vida, a morte, a aventura do espírito humano diante de uma vastidão de coisas. “Queria abarcar um mundo de conhecimentos que se desenvolveu em mim. Era o meu desejo dedicar-me à filosofia como uma conquista a ser alcançada pela reflexão pessoal, pela perseverança e ao mesmo tempo continuar em amizade com os clássicos, com a exegese bíblica, com a ciência física”.

Dois textos, um escrito em 1945, “Humanidades Clássicas” e um outro em 1950, que tem o título de “O Mistério do Ser”, surgem como os primeiros pontos centralizadores do seu pensamento, que tem o homem como ex-sistente; a verdade do ser; o tempo e seu distender-se agostiniano – heidggeriano, o tempo do homem.

Miranda leu e releu seus autores preferidos: Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Kant e Martin Heidegger. Com Kant, vislumbrava a descoberta da imaginação transcendental como temporalidade e fundamento metafísico. Com Heidegger, adquiria uma nova visão dos primeiros pensadores gregos e desenrolava os principais fios de interpretação hermenêutica de Platão, de Aristóteles, de Agostinho. Foram esses Mestres da conversão e do pensar que lhe permitiram, reunindo o pensamento grego, o medieval e o moderno, delinear o núcleo de sua reflexão filosófica, sempre buscando o ser e continuando sem cessar a sua busca.

Poderia ter permanecido na Europa, não fosse o sentido de responsabilidade e a própria consciência do dever de retornar à UFPE para continuar a dar aqui o melhor de si mesma em estudos e orientações de trabalhos. Seguia, sem se aperceber, o conselho de Platão sobre a missão do filósofo: “o retorno à caverna para transmitir aos que nela se encontravam o que fora visto à luz do sol”.

Amizade à sabedoria – Quem se dedica aos estudos, aprofunda-se nas pesquisas filosóficas ou científicas, geralmente torna-se avesso a eventos culturais. Miranda não foge à regra. Ela procura viver diante de si mesma, não dos outros. A filósofa ama o conhecimento verdadeiro e ao mesmo tempo é consciente de que não é sábia porque “esse nome só convém a Deus”. Seu modo de vida é a expressão do que é, que experimenta o caminho do seu ser que pensa, pratica a sabedoria e busca compreender a adversidade num exercício contínuo em que estão incluídas a renúncia e a doação.

A reclusão voluntária de Miranda teve um custo: seu nome desapareceu da mídia e sua obra não foi reeditada, até agora. Uma grande injustiça a quem é considerada, nos meios universitários europeus, uma das expressões mais altas da intelectualidade brasileira.

Diante de sua sala de jantar, há uma litogravura do Santuário do Bom Jesus do Monte, em Braga, Portugal, que ela se acostumou a ver desde menina, como expressão de uma lembrança de família, tecendo todos os seus dias. A filósofa de Paris, como a chamava carinhosamente Gilberto Freyre, estará completando 80 anos em agosto de 2006. A litogravura permanecerá na parede da sala. O país, sofrido e desconfiado, elegerá seus novos dirigentes. Nós continuaremos, para homenagear Maria do Carmo Miranda, a leitura do poema de Bandeira, que também iluminará o nosso dia-a-dia: “Nossa Senhora me dê paciência pra que eu não caia/ Pra que eu não pare nesta existência”.

(Leia mais na edição nº 61 [janeiro de 2006] da Revista Continente Multicultural.)










José Mário Rodrigues é poeta, jornalista e bacharel em direito pela UFPE. Autor dos livros de poesia Trem de Nuvens e Alicerce de Ventania, entre outros.

http://www.continentemulticultural.com.br/

4.1.06

Poética do Pós-Modernismo - Linda Hutcheon

"É esse tipo de contradição que caracteriza a arte pós-moderna, que atua no sentido de subverter os discursos dominantes, mas depende desses mesmos discursos para sua própria existência física: aquilo que "já foi dito". Contudo, julgo errado considerar o pós-modernismo como sendo, de alguma forma, definido por uma estrutura de 'ou/ou'. Conforme veremos com mais detalhe no capítulo 12, não é uma questão de ele ser ou nostalgicamente conservador ou radicalmente anti-humanista em sua política (Foster 1985, 121). Na verdade ele é ao mesmo tempo, ambos e nenhum. Sem dúvida, caracteriza-se por um retorno à história, e realmente problematiza toda a noção de conhecimento histórico. Mas o restabelecimento da memória não é acrítico nem reacionário, e a problematização das certezas humanistas não implica sua negação ou sua morte. Menos do que desgastar nosso 'senso de história' e referência (Foster 1985, 132), o pós-modernismo desgasta nosso velho e firme senso sobre o que significavam a história e a referência. Ele nos pede que repensemos e critiquemos as noções que temos com relação às duas.

Teóricos e artistas reconheceram que muitas vezes o paradoxo pode ter o cheiro de concessão. Vejam a opinião de Douglas Davis, artista de vídeo:

Se quero dirigir minha arte ao mundo, devo fazê-lo através do sistema, como todos devem fazer. Se isso tem um aspecto suspeito no sentido de parecer liberalismo e concessão, então que assim seja: com exceção da espada, o liberalismo e a concessão sempre foram a única forma de atuação de qualquer revolucionário autêntico. (1997, 22)

Sem dúvida, A Mulher do Tenente Francês confirmaria essa visão da contradição como concessão, mas não de concessão no sentido de evitar o questionamento ou de criar uma nova totalidade interpretativa unificadora, que servisse como substituto. O pós-modernismo explora, mas também ataca, elementos básicos de nossa tradição humanista, tais como o sujeito coerente e o refertente histórico acessível, e é perfeitamente possível que seja isso que o torna tão insuportável aos olhos de Eagleton e Jameson. Os conceitos de originalidade e 'autenticidade' artísticas, e de qualquer entidade histórica estável (tal como 'o operário'), que são contestados, parecem ser essenciais à narrativa-mestra marxista desses dois críticos. Provavelmente, a pós-moderna indeterminação de distinções sólidas é, por definição, um anátema para o raciocínio dialético marxista, assim como também o é para qualquer posição habermasiana de racionalidade iluminista. Essas duas influentes posturas de oposição ao pós-modernismo baseiam-se no tipo de metanarrativas totalizantes (Lyotard 1984a) que o pós-modernismo desafia - isto é, ao mesmo tempo usa e abusa delas.

Juntamente com Nannie Doyle e outros, eu afirmaria que o aspecto positivo, e não negativo, do pós-modernismo é o fato de ele não tentar ocultar seu relacionamento com a sociedade de consumo, e sim explorá-lo com novos objetivos críticos e politizados, reconhecendo declaradamente a 'indissolúvel relação entre a produção cultural e suas associações políticas e sociais' (Doyle 1985, 169)."

Poética do Pós-Modernismo - História - Teoria - Ficção - Linda Hutcheon, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1991, pp. 70-71.
_________________________________

Davis, Douglas (1977) Artculture: Essays on the Post-Modern. Nova Iorque, Harper & Row.
Doyle, Nannie (1985) "Desiring Dispersal: Politics and the Postmodern". Subjects Objects 3: 166-79.
Foster, Hal (org.) (1985) Recodings: Art, Spectacle, Cultural Politics. Port Townsend, Wash., Bay Press.
Lyotard, Jean François (1984a) The Postmodern Condition: A Report on Knowledge, trad. Geoff Bennington e Brian Massumi. Minneapolis, University of Minnesota Press.

3.1.06

Açougue

Da carne o osso é parte
é parte o sangue frio
na arcaica e escarlate
demão que a coloriu

Em tons do arco-íris
digestivos do sol
que a carne em sua bílis
fulgiu num urinol

Do mesmo barro opaco
que pretendeu lustrar
algo tampouco laico
e por sacralizar,

A urina doce e quente
da terra desposada
a subserviente
costela desossada

Em matiz de placenta.
Depois do incesto lato
na cria empoeirenta
num berço caricato,

Choro de um quase-deus
na dor da pedra manta
que medra o sangue seu
em verbo na garganta.

Lucas Tenório

2.1.06

elocubrações pífias (metades) - Edimo Ginot

uma mentira
contada
pela metade
é meia
mentira
ou meia verdade?

um homem
cortado
pela metade
é meio
homem
ou meio covarde?

um amor
curtido
pela metade
é meio
amor
ou meia saudade?