5.2.07

Ave empalhada

O moto que empalha a ave
o intento que o movimenta
é de corrente rubra e sangrenta
refeito o cabo de uma trave

Estacado com meneios
perfura um vaso linfático
quando se ainda é extático
quando o lograr tem esteios

É quando há revoada
no ninho que está entre os seios
nas batidas ancoradas
põe-se a canga e os arreios

E há o vôo derradeiro
no que houve de mais leve
a pena, o ar, a neve
o flutuar dos isqueiros

Mas antes é ave empalhada
renegada à ataxia
uma outra moradia
no chão deliberada

Mas é antes ave parada
no céu que é de concreto
na abstração de um teto
de uma casa sepultada

Mas é antes pedra-luz
que nos olhos denuncia
um clamor feito a Maria
um pedido ao pai Jesus

Maria estatuada
Jesus crucificado
e o bicho ambicionado
entra em nova revoada

Quando o vôo se completa
da pedra arremessada
ela é denunciada
no estilhaçar da seta

Quando enfim se petrifica
num coração repintado
pelo pó da mesma sílica
numa cruz crucificado

Revoa no horizonte
cada bicho de empalhar
de coração a vagar
pousados numa ponte

E o diamante corta
no traçado da cidade
e a natureza morta
com maior fidelidade

Sobra o pó de um cimento
argamassa dos cassinos
sobra um cão e um menino
nos bichos o esquecimento.

Lucas Tenório

Coisa

Transparente e firme

em náusea e fogo

como um só jogo

de um só time.


Verdade impura

aguada e pétrea

como a pintura

dispersa e reles


Corpo que a vele

faca que a lime

dorso que a leve

canga que arrime


e a diversão

é contar poeira

como o condão

da cumeeira


Vasto e impreciso

é esse Rio

mudo, conciso

em pleno cio


Aberto o ventre

à faca-pele

qu'ele a despele

sisudo e crente


Depois do tempo

do empoeirado

um retratado

em ornamento


Procura o lote

que lavre a carne

que o desarme

desse culote


o retratado

embuchou a seca

como na terça

de água e meia


Espera o ventre

pelo curtume

onisciente

de dá-lo ao lume


No tempo igual

o Rio secou

como o animal

que urinou


urinado

mais uma vida

à faca e lado

da despedida.


Lucas Tenório