As Várias Facetas do Recife - Leonardo Dantas Silva
Paisagem do Recife - Acervo FJN
Como as pessoas, as cidades
ou não se dão, ou se dão.
São elas introvertidas,
ou extrovertidas são.
O Rio se entrega todo
logo à primeira vista.
Mas o Recife, ao contrário,
se furta ao olhar do turista,
Que precisa procurar,
Com um bom e pronto guia,
Para que possa encontrar,
Nas suas ansiedades,
Donjuanescas e incontidas,
Da magra e esquiva cidade
As suas graças escondidas.
ou não se dão, ou se dão.
São elas introvertidas,
ou extrovertidas são.
O Rio se entrega todo
logo à primeira vista.
Mas o Recife, ao contrário,
se furta ao olhar do turista,
Que precisa procurar,
Com um bom e pronto guia,
Para que possa encontrar,
Nas suas ansiedades,
Donjuanescas e incontidas,
Da magra e esquiva cidade
As suas graças escondidas.
Carlos Moreira
Qual seria, entre tantas, a mais bela faceta deste nosso por vezes maltratado brilhante? Quem sabe qual seria a mais bela vista deste nosso Recife?
Este nosso brilhante parece opaco e sem brilho, na imensa maioria de suas facetas, mas, com um pouco de boa vontade e olhando-se mais com o coração, a parte obscurecida do belo, por certo, irá transparecer aos nossos olhos.
Vista do alto, a cidade pode ser assemelhada a uma estrela da qual se vislumbra a parte superior, tendo por centro a ilha do Recife, com seus raios espargindo-se em busca dos subúrbios.
Pode também ser comparada a uma aranha, com sua teia apegando-se ao longo da planície como se estivesse sendo tragada pelo Oceano Atlântico. Assim pareceu o Recife aos olhos do poeta João Cabral de Melo Neto, quando visto De um avião:
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............
e eis o Recife, sol de todo
o sistema solar da planície:
daqui é uma estrela
ou uma aranha, o Recife,
se estrela, que estende seus dedos,
se aranha, que estende sua teia:
que estende sua cidade
por entre a lama negra.
Josué de Castro, em artigo publicado no Boletim da Cidade e do Porto do Recife (n.º 19-34), observa que "o Recife, como qualquer outra cidade, não se deixa penetrar em sua essência, nem consente em revelar o sentido de sua alma aparentemente dispersa nos contrastes da paisagem, senão de um determinado ângulo visual. [....] A cidade só se deixa captar na unidade de sua expressão urbana, quando vista do alto dos aviões, em sua perspectiva vertical". É das alturas das nuvens que se recebe todos os eflúvios de sua poesia urbana, subindo violentamente, através da atmosfera varada em todos os sentidos pelos reflexos da luz sobre as águas. Cidade construída numa planície encharcada, formada de ilhas, penínsulas, alagados, mangues e paús, envolvidos e salpicados por manchas d'água por todos os lados, é impossível captar-se a expressão do seu rosto, do nível do solo ou do mar.
Mas qual seria a mais bela paisagem do Recife? De onde seria este ponto de onde pudéssemos captar aquele micro-horizonte que viesse a ser um símbolo de nossa cidade?
O fato é que, estando localizado numa planície quaternária aluviônica, o Recife deve ser visto do alto, como demonstra Josué de Castro e como bem captou o poeta João Cabral de Melo Neto. Dali vislumbraríamos todo o delta do Capibaribe e as principais vias de penetração, como uma mão espalmada, formando depois uma verdadeira teia de aranha sendo tragada pelo Atlântico.
Na falta de um mirante, poderíamos optar pelo Recife visto dos arrecifes, mais ao sul, ponto de onde Frans Post (1612-1680) retratou a Mauritiopolis do conde João Maurício de Nassau, em gravura publicada no livro de Gaspar Barlaeus, datada de 1645. De uma tomada dos arrecifes, o célebre pintor registrou, em primeiro plano, uma jangada e o Forte do Mar, seguindo-se do bairro portuário, com nove naus ancoradas, o casario português, com seus sobrados, alguns de quatro pavimentos, e a primitiva ponte de madeira (1643). Do lado da ilha de Antônio Vaz, onde fora erguida a cidade Maurícia, a paisagem é marcada pelo Palácio de Friburgo (1642), o primeiro observatório astronômico de George Marcgrave, a igreja dos calvinistas franceses e o casario a obedecer o traçado de Pieter Post, vendo-se ao longe Olinda e as colinas terciárias que cercam a antiga baía do Recife.
Quem sabe se poderíamos escolher a vista do Recife tomada da cabeceira leste da Ponte do Pina, ponto de referência usado por José Gonçalves da Fonseca, em panorama datado de 31 de março de 1766? De lá, descortinaríamos a imensidão da Bacia do Pina, com o colorido dos armazéns do Cais José Estelita, vendo-se a ilha do Recife e o seu porto; o bucólico bairro de São José, hoje mutilado nas empenas de seus sobrados pela insensibilidade de alguns comerciantes, mas ainda ostentando algumas das seculares torres de suas igrejas.
Visto do norte, em hora da preamar, da Ponte do Limoeiro e/ou do terraço do edifício-sede da prefeitura, teremos uma singular vista de Olinda e do Cais da Rua da Aurora, com a ilha de Santo Antônio e as pontes que assinalam o centro da cidade. De suas cercanias, no Forte do Brum, foi desenhada uma das cromolitografias da série de W. Bassler, publicada em Dresden, em 1847. Hoje, de lá podemos, ainda, vislumbrar os jardins do Palácio do Campo das Princesas, as cúpulas da Assembléia Legislativa e do Palácio da Justiça, o casario da Rua da Aurora e alguns prédios modernos a manchar a paisagem com seus letreiros. Do lado contrário, da Ponte Velha ou da sede da Rede Ferroviária, avistaríamos o Recife com suas pontes, com o rio ladeado pelas ruas da Aurora e do Sol, e a Casa da Cultura, escondida pelo manguezal, ali plantado em 1989.
A vista de Olinda pode ser captada da Ponte Princesa Isabel, particularmente quando da preamar. De lá o nosso olhar, por entre a vegetação do mangue e os jardins da Rua da Aurora, centra-se na Ponte do Limoeiro e assim chega até o Alto da Sé, de onde se sobressai sobre o verde da colina a Igreja do Salvador do Mundo, o Seminário e o conjunto da Misericórdia.
Se vista do Alto da Misericórdia, em Olinda, a paisagem da planície do Recife, que tanto fascinou Ambrósio Fernandes Brandão (1618) e o reverendo Joannes Baers (1630), aparece como que surgida de uma cromolitografia de W. Bassler (1847). De lá podemos exclamar, como o poeta Carlos Pena Filho, ninguém diz é lá que eu moro, diz somente é lá que eu vejo!
Outras visões poderiam ser tomadas do Recife, até de pequeninos horizontes, como o bucólico Pátio de São Pedro. Lá, numa tarde de domingo, o poeta Mauro Mota, no colonial e imutável bairro de São José, chegou a vislumbrar:
Um vôo de pomba acaricia o espaço quieto O Espírito Santo
baixará no Pátio de São Pedro.
Este nosso brilhante parece opaco e sem brilho, na imensa maioria de suas facetas, mas, com um pouco de boa vontade e olhando-se mais com o coração, a parte obscurecida do belo, por certo, irá transparecer aos nossos olhos.
Vista do alto, a cidade pode ser assemelhada a uma estrela da qual se vislumbra a parte superior, tendo por centro a ilha do Recife, com seus raios espargindo-se em busca dos subúrbios.
Pode também ser comparada a uma aranha, com sua teia apegando-se ao longo da planície como se estivesse sendo tragada pelo Oceano Atlântico. Assim pareceu o Recife aos olhos do poeta João Cabral de Melo Neto, quando visto De um avião:
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .............
e eis o Recife, sol de todo
o sistema solar da planície:
daqui é uma estrela
ou uma aranha, o Recife,
se estrela, que estende seus dedos,
se aranha, que estende sua teia:
que estende sua cidade
por entre a lama negra.
Josué de Castro, em artigo publicado no Boletim da Cidade e do Porto do Recife (n.º 19-34), observa que "o Recife, como qualquer outra cidade, não se deixa penetrar em sua essência, nem consente em revelar o sentido de sua alma aparentemente dispersa nos contrastes da paisagem, senão de um determinado ângulo visual. [....] A cidade só se deixa captar na unidade de sua expressão urbana, quando vista do alto dos aviões, em sua perspectiva vertical". É das alturas das nuvens que se recebe todos os eflúvios de sua poesia urbana, subindo violentamente, através da atmosfera varada em todos os sentidos pelos reflexos da luz sobre as águas. Cidade construída numa planície encharcada, formada de ilhas, penínsulas, alagados, mangues e paús, envolvidos e salpicados por manchas d'água por todos os lados, é impossível captar-se a expressão do seu rosto, do nível do solo ou do mar.
Mas qual seria a mais bela paisagem do Recife? De onde seria este ponto de onde pudéssemos captar aquele micro-horizonte que viesse a ser um símbolo de nossa cidade?
O fato é que, estando localizado numa planície quaternária aluviônica, o Recife deve ser visto do alto, como demonstra Josué de Castro e como bem captou o poeta João Cabral de Melo Neto. Dali vislumbraríamos todo o delta do Capibaribe e as principais vias de penetração, como uma mão espalmada, formando depois uma verdadeira teia de aranha sendo tragada pelo Atlântico.
Na falta de um mirante, poderíamos optar pelo Recife visto dos arrecifes, mais ao sul, ponto de onde Frans Post (1612-1680) retratou a Mauritiopolis do conde João Maurício de Nassau, em gravura publicada no livro de Gaspar Barlaeus, datada de 1645. De uma tomada dos arrecifes, o célebre pintor registrou, em primeiro plano, uma jangada e o Forte do Mar, seguindo-se do bairro portuário, com nove naus ancoradas, o casario português, com seus sobrados, alguns de quatro pavimentos, e a primitiva ponte de madeira (1643). Do lado da ilha de Antônio Vaz, onde fora erguida a cidade Maurícia, a paisagem é marcada pelo Palácio de Friburgo (1642), o primeiro observatório astronômico de George Marcgrave, a igreja dos calvinistas franceses e o casario a obedecer o traçado de Pieter Post, vendo-se ao longe Olinda e as colinas terciárias que cercam a antiga baía do Recife.
Quem sabe se poderíamos escolher a vista do Recife tomada da cabeceira leste da Ponte do Pina, ponto de referência usado por José Gonçalves da Fonseca, em panorama datado de 31 de março de 1766? De lá, descortinaríamos a imensidão da Bacia do Pina, com o colorido dos armazéns do Cais José Estelita, vendo-se a ilha do Recife e o seu porto; o bucólico bairro de São José, hoje mutilado nas empenas de seus sobrados pela insensibilidade de alguns comerciantes, mas ainda ostentando algumas das seculares torres de suas igrejas.
Visto do norte, em hora da preamar, da Ponte do Limoeiro e/ou do terraço do edifício-sede da prefeitura, teremos uma singular vista de Olinda e do Cais da Rua da Aurora, com a ilha de Santo Antônio e as pontes que assinalam o centro da cidade. De suas cercanias, no Forte do Brum, foi desenhada uma das cromolitografias da série de W. Bassler, publicada em Dresden, em 1847. Hoje, de lá podemos, ainda, vislumbrar os jardins do Palácio do Campo das Princesas, as cúpulas da Assembléia Legislativa e do Palácio da Justiça, o casario da Rua da Aurora e alguns prédios modernos a manchar a paisagem com seus letreiros. Do lado contrário, da Ponte Velha ou da sede da Rede Ferroviária, avistaríamos o Recife com suas pontes, com o rio ladeado pelas ruas da Aurora e do Sol, e a Casa da Cultura, escondida pelo manguezal, ali plantado em 1989.
A vista de Olinda pode ser captada da Ponte Princesa Isabel, particularmente quando da preamar. De lá o nosso olhar, por entre a vegetação do mangue e os jardins da Rua da Aurora, centra-se na Ponte do Limoeiro e assim chega até o Alto da Sé, de onde se sobressai sobre o verde da colina a Igreja do Salvador do Mundo, o Seminário e o conjunto da Misericórdia.
Se vista do Alto da Misericórdia, em Olinda, a paisagem da planície do Recife, que tanto fascinou Ambrósio Fernandes Brandão (1618) e o reverendo Joannes Baers (1630), aparece como que surgida de uma cromolitografia de W. Bassler (1847). De lá podemos exclamar, como o poeta Carlos Pena Filho, ninguém diz é lá que eu moro, diz somente é lá que eu vejo!
Outras visões poderiam ser tomadas do Recife, até de pequeninos horizontes, como o bucólico Pátio de São Pedro. Lá, numa tarde de domingo, o poeta Mauro Mota, no colonial e imutável bairro de São José, chegou a vislumbrar:
Um vôo de pomba acaricia o espaço quieto O Espírito Santo
baixará no Pátio de São Pedro.
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