18.4.06

As Incandescências de Jaci Bezerra - Luiz Alberto Machado

Era 82 no Recife, quando conheci o poeta Jaci Bezerra. À época ele era um dos editores das Edições Pirata e da Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco. Um alagoano de Murici, desde 1960 residindo no Recife.

Nesse primeiro contato, ele me presenteou o volume "Lavradouro", livro com suas poesias, que me levou a musicar um deles, "A Lavra da Vida", apresentado em diversos shows que realizei.

Pouco tempo depois, estreitando o nosso convívio com encontros na inesquecível Livro 7 e nos bares da Rua 7 de Setembro, Jaci Bezerra estava sempre rodeado de amigos, como o filósofo e poeta Ângelo Monteiro, o poeta e editor Juhareiz Correya, o poeta Alberto Cunha Melo, o escritor e editor Paulo Caldas, entre outros, com as nossas cervejadas diárias.

Jaci era integrante da geração 65 pernambucana, já premiado com a peça teatral "O Galo" no Concurso de Dramaturgia Nelson Rodrigues, versão 82, promovido pelo Instituto Nacional de Artes Cênicas. E, no ano seguinte, encenava "O Auto da Renovação", pelo Grupo de Teatro da FUNDAJ [Fundação Joaquim Nabuco], quando propiciou, pelas Edições Pirata, o lançamento do meu segundo livro de poesias, "A Intromissão do Verbo", volume esse prefaciado pelo próprio poeta.

O ponto máximo de sua poesia eu pude testemunhar no volume "O Livro das Incandecências", lançado em 1985, pelas Edições Pirata e Alternativa Apoio Cultural. Neste livro, ele traz um poema, o "Neste canto finquei meus alicerces", que destaco:

Este livro é o livro dos remorsos
Inventário de um tempo hoje disperso:
Nele sou uma cor, e me despeço,
Sou também uma luz, e, nele, endosso
A sede de ternura e a minha fome
De ser só o que sou, nele me expurgo;
Eu, neste livro, não me evado ou fujo,
E aceito a cinza hostil que me consome.
Há muito quis fazer este inventário,
Mas me faltou o ócio da manhã,
Além do ócio, o sal, a palha, a lã
E o alfabeto mofado dos diários.
Ao escrevê-lo eu sou pedra e chama,
Memória de um momento perturbado,
Nele me oferto inteiro e tatuado,
Rendido à solidão que me reclama.
Escrevo uma canção para quem ama
E entre angústia e tormento se procura,
Vida que se renova e se tortura,
Insônia que me invade e que me inflama.
Aqui, contabilizo o Deve e o Haver,
O momento fraterno e a omissão;
Aqui, serenamente, o coração
Deixa o que fui e sou acontecer.

Nesta obra está uma declaração do mestre Wilson Martins: "Em nossa poesia contemporânea, Jaci Bezerra é uma voz nova, no sentido forte da palavra, não apenas por ser jovem, mas também e acima de tudo por trazer um timbre e um tom que só pertencem aos grandes poetas. Ainda é cedo para dizer se existe, de fato, uma Geração 65 na poesia brasileira, mas é fácil prever desde logo que nela, como em todas as outras, muitos serão os chamados e poucos os escolhidos, entre os quais Jaci Bezerra deve ser contado até prova em contrário".

No prefácio do livro, o poeta Alberto Cunha Melo escreve a "Incandescência Lírica": "O Livro das Incandescências é o único que consegue, até agora, dar uma medida correta e abrangente da imensidade de recursos texto-estruturais da poesia de Jaci Bezerra. É livro destinado a ser um clássico, não pelo seu rigor expressivo, mas, e ainda, pelo seu significado humanista, onde predominam dois temas fundamentais para nós: a infância e o amor, principalmente o erótico.

(...) Na verdade, esse é o livro mais pessoal e confessional de Jaci Bezerra. Um tiro no rosto da fria objetividade tecnocrática do formalismo brasileiro. Livro de suas danações e amores. Livro de sua verdade interior, ferro em brasa, incandescente depoimento de um participante e de um espectador fervoroso da vida.

Um livro todo em chamas vitais nordestinas, todo em incandescências passadas, presentes e futuras. Um livro!".

Vale a pena conhecer a obra de Jaci Bezerra.


http://www.sobresites.com/poesia/artigos/jaci.htm