29.9.05

Um comentário - Romildo Rodrigues

Recife é cidade entrecortada por ruas, becos e pontes, plasmada de estilos arquitetônicos antagônicos que existem em harmonia inusitada, como exemplo a Rua Nova, no centro, onde nos andares inferiores dos prédios se enxergam lojas de estruturas modernas e, oposta e repentinamente, nos andares de cima prevalecem imponentes as antigas fachadas de estilo colonial, cada uma mais bela que a outra, como se a três metros da rua outra rua se fizesse.

O autor de quem falo assemelha-se ao Recife; os contraditórios atos de viver e sentir coexistem, serena e harmoniosamente, na estrutura refinada dos seus versos, em que cada palavra possui um significado concreto, um sentido único, mesmo no seio da eventual contradição. Cada verso rebento traz consigo a difícil missão do poeta, ou seja, unir-se a outro para traduzir e retratar um gesto, um acontecimento - mesmo comezinho -, um sentido ou um sentimento, apesar de o signo, na maioria das vezes, mostrar-se insuficiente para isso.

A par dessa preocupação, a sonoridade e a cadência do seu trabalho revelam-se cada vez mais aguçadas, como bem traduzido em O Sapo, poema renovador, que mantém o contumaz sopro de recriação característico da cidade.

Admirador de Carlos Pena Filho, o Poeta do Azul - condensador da alma recifense -, o autor traduz em seus poemas o olhar atento aos detalhes das coisas simples, que frequentemente escapam à visão comum e fugidia, ao mesmo tempo em que faz com que outras matérias e percepções, dentro de suas complexidades, reúnam-se em uma única tez, palpável a todos que enveredam pelo que escreve.

Lucas Tenório presenteia os seus leitores com uma poesia desraigada do mero sentimentalismo, e precisa na forma de sua expressão. Revela um poeta preocupado em falar da naturalidade do viver, mas que ao mesmo tempo se espanta e admira, perplexo, ao buscar os sentidos daquilo que nos confunde, nos desafia e nos instiga a novas descobertas e novos caminhos, como necessidade inata do homem face ao, no mais das vezes, letárgico cotidiano.

Romildo Rodrigues