26.4.06

Fotografia

Imagem estacionada
num fio de horizonte
traçado de uma ponte
na luz dependurada

De um a outro lado
o passo da escassez
naquilo que se fez
turvo, surdo e calado

Esvoaçam pardais
que há muito já partiram
multifocais que viram
o que não se vê mais

Ainda a ponte alberga
senão dois polegares
percutindo os vagares
com uma ocular cega

Na pele, vê-se a íris
na irís arremedo
é na face levedo
e no intestino a bílis

Tempero do aparente
equilibrado óptico
variegado o pórtico
geracional de gente

Ausente numa praça
a ponte só encima
boneca de menina
em casulo de traça

Há quiçá um ancião
em pose terminal
perfume, um mineral
na mesma embarcação

Mas insiste o olhar
em ver além da inércia
o travo da solércia
a mancha linear

E vê a ponte estreita
o rio desidratado
o mineral calado
a âncora perfeita.

Lucas Tenório

25.4.06

Cartografia poética de Pernambuco, por Hildeberto Barbosa Filho

Pernambuco, terra da poesia: um painel da arte poética pernambucana dos séculos XVI ao XXI impõe-se, desde já, como um dos mais ousados projetos de organização da cultura, em especial da cultura literária no segmento da poesia, realizado, entre tantos outros, pelo Instituto Maximiano Campos, a cargo de Antônio Campos e Cláudia Cordeiro, ora publicado em convênio com a editora Escrituras, de São Paulo. O subtítulo me parece esclarecedor: não se trata evidentemente de uma antologia, e sim, de uma coletânea, de uma reunião, de um mapeamento, de um panorama, enfim, de um “painel” como se registra.

Numa antologia os textos constituem, por assim dizer, a finalidade primeira e germinal da seleção, submetida, a seu turno, pela regência de rigoroso critério de excelência estética. O que importa, aqui, é sobretudo o peso da representatividade literária, independentemente dos fatores temáticos, genéricos, cronológicos, geracionais, cognitivos e artísticos que possam dar sustentabilidade ao labor de sua elaboração. A bem dizer, para lembrarmos a figura emblemática de Ezra Pound, a antologia se prefigura como uma espécie de paideuma onde a singularidade estética representa a norma fundamental. A antologia, portanto, possui um caráter exclusivo, em que pesem suas diversas modalidades e a relevância específica de cada uma delas, conforme sinaliza T. S. Eliot em texto fundante, Que é poesia menor?

Numa coletânea, ao contrário, os textos não se perfilam como fim, mas como meios que se podem prestar a diversos objetivos em função da perspectiva do projeto. Seja didática, seja histórica, seja meramente documental, a coletânea é inclusiva e firma no registro de dados e na presença deste ou daquele autor o seu compromisso informativo, a sua razão ontológica. Seu campo de cobertura descortina-se, assim, bem mais elástico, bem mais flexível, podendo, por isto mesmo, tocar em variados ângulos do fenômeno cultural e literário.

Pernambuco, terra da poesia enquadra-se perfeitamente dentro desta classificação. A epígrafe, com os versos cabralinos, como que antecipa a tessitura solidária do todo, se erguendo toldo e tenda onde caibam todos se entretendendo na configuração do canto sinfônico e plural da poesia e da terra. Por outro lado, o título, embora aparentemente não possa sugerir, encaixa-se coesa e coerentemente com esta idéia. “Pernambuco, terra da poesia” não deve ser lido no que pode remeter para a noção de exclusivismo poético ou de ufanismo literário, mas, principalmente, pela clave da força poética que contamina, em todos as geografias (litoral, agreste, sertão, caatinga, mata seca e mata úmida, como diria Marcus Accioly) a alma da terra e do povo. O próprio Manuel Bandeira, um dos ícones que integra esta reunião, afirma que “a poesia está em tudo”. Se está em tudo, está em todos, e está em todos como experiência seminal da vida. Está nos maiores, nos medianos, nos menores, com toda sua surpreendente maleabilidade de caminhos e de dicções. É preciso, portanto, ler o “terra da poesia” na sua acepção descritiva, inclusiva, e não naquele sentido cartográfico e seletivo ou como tola exclusividade soberba. Não existe, quero crer, sentido axiológico no título com suas múltiplas implicações catafóricas.

Atento a este apelo epistemológico, o espectro poético procura ser o mais vasto e o mais diferenciado possível, pois vai do século XVI, com a figura histórica e pioneira de Bento Teixeira Pinto, aliás presente em grafia original num breve recorte de seu épico, passando pelas vozes barrocas, árcades, românticas, parnasianas, simbolistas, modernistas até as vanguardas mais emergentes e os investimentos pós-modernos. O vigor da forma fixa se confronta com as linhagens alternativas de uma poesia experimental ao mesmo tempo em que a tradição oral e popular cerra fileira ao lado da modernidade e erudição de uma alta percussão lírica. O critério diacrônico, que se distende do mais antigo ao mais atual, costura, noutro sentido, a pluralidade de expressão verbal e espelha – diria quase didaticamente – todas as vertentes poéticas que se cristalizaram em Pernambuco. Se o leitor pode deparar os nomes mais conhecidos, pois que sua práxis poética transcende os limites provincianos (Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Mauro Mota, Carlos Pena Filho), encontra figuras esquecidas e quase desconhecidas (Rita Joana de Souza e Targélia Barreto de Menezes, filha de Tobias Barreto) assim como autores ainda em pleno processo de criação (Mário Hélio, Michelin Verunschk, Delmo Montenegro e Pietro Wagner).

O exemplo notável da chamada “Geração 65” marca presença decisiva nesta obra, ratificando, em certo sentido, a capacidade de reinvenção da melhor tradição poética de Pernambuco, com nomes de reputação consolidada, a exemplo de César Leal, Alberto da Cunha Melo, (observe-se o antológico poema “Dual”), Jaci Bezerra, Marcus Accioly, Ângelo Monteiro, Almir Castro Barros, José Carlos Targino, Marco Polo Guimarães, Janice Japiassu, Eugênia Menezes, Myriam Brindeiro, Tereza Tenório, Sebastião Vila Nova e tantos outros.

Como se vê, o objetivo do “painel” é rigorosamente documental. A obra, em suas linhas gerais, fornece uma visão das posturas estéticas, tanto no que concerne à sucessividade das gerações, com toda sua tipologia, quanto no que diz respeito às tonalidades do lirismo e suas implicações técnico-literárias, estilísticas e temático-ideológicas.

Utilizássemos o quadro proposto por Pedro Lyra, em Sincretismo: a poesia da geração 60, assim como seus paradigmas líricos, poderíamos estabelecer algumas curiosas co-relações de ordem analítica, exegética e apreciativa. Excluindo os que já se foram e que, de um modo ou de outro, acham-se relativamente contextualizados no âmbito da história literária, por exemplo, um Olegário Mariano, um Medeiros e Albuquerque, um Ascenço Ferreira, um Mauro Mota, um Deolindo Tavares, um Austro Costa, um Solano Trindade, um Audálio Alves, entre outros, diria que determinados poetas, sobretudo os que nascem nos anos 70/80, como Pietro Wagner, Delmo Montenegro e Antonio Marinho, transitam entre o emergente e o novo, tendo na rebeldia estética o foco central de motivação. Percebe-se, noutra latitude estética, a maturidade dominante em fase de plena confirmação naqueles que fazem a já referida “Geração 65”, assim como posso pensar num clássico como César Leal e num canônico como Waldemar Lopes, este, um artífice inigualável do soneto.

A linha discursiva predomina, sobremaneira com a herança lírica, sedimentada na temática amorosa, erótica, telúrica, existencial, cotidiana e metafísica, numa mostra polifônica que noticia, na unidade do sentimento poético, a diversidade de realizações. A velada sensualidade de uns sabe coexistir com a sensualidade palpável de outros assim como a nota filosófica e mítica de certas expressões não chegam a abafar a sintaxe lúdica e despachada que alguns poetas trilham sem preconceitos. Pensássemos numa caracterização de estilos, teríamos o que Erich Auerbach denomina de estilo mesclado, pois aparece de tudo um pouco: o grave, o leve, o formal, o popular, o erudito, o coloquial, o fragmentário, o alternativo etc. Outra nota forte reside na pesquisa metalingüística muito peculiar ao gosto de certas vozes modernas que, para além de contornar as virtualidades estésicas do real, transformam o poema em matéria de pura reflexão poética. O sopro épico e a vertente social e participante comparecem na linguagem de alguns autores, da mesma maneira que a excepcionalidade de um discurso verbovocovisual, comprometido em primeira instância com os artefatos do significante, também é contemplada nas páginas deste mosaico literário.

O fluxo cronológico faz convergir, portanto, para a vastidão do seu estuário, as diferenças dos seus afluentes estéticos. E com isto ganham a cultura e a literatura pernambucanas. Ganham principalmente os historiadores e os críticos literários que, na tarefa de pensarem sistematicamente sobre a produção literária de uma região e sobre obras e autores individuais, podem ter, neste “painel”, um ponto de partida referencial. Para o historiador há como que um sinal sistêmico a pré-anunciar uma possível ordem cronológica e, nesta ordem cronológica, a composição material de certas tendências, de certas características, de certas posições. A personalidade do inventor, do mestre e do diluidor, ainda para me valer das categorias de Pound, assim como dos ícones e dos epígonos, maiores e menores, medianos e modelares são perfeitamente relacionais, inclusivas, complementares dentro da organização histórica. E esta reunião, como já dei a atender, é muito mais de fundo histórico do que propriamente de natureza crítica. É obra de referência, enciclopédica, propedêutica.

Ao crítico literário será de extrema utilidade, pois nela se apresentam, com pequenas mostras – é verdade – as poéticas individuais, com seu registro estilístico particular, uma que outra eleição temática e, de certa maneira, algo da índole e da visão que permeiam a sensibilidade e a percepção poéticas. Dois poemas podem parecer muito pouco, mas não se deve esquecer que a marca do poeta, isto é, suas raízes ideativas, imagéticas e melódicas, não raro se inscreve nos limites de um só verso. Isto sem que se faça alusão aos tópicos mínimos, porém essenciais, dos verbetes relacionados, que funcionam como uma espécie de banco de dados indispensáveis ao pesquisador.

Mas não somente aos estudiosos da fenomenologia literária um trabalho deste porte pode interessar. Penso ainda nas instituições, bibliotecas, arquivos, acervos, enfim, em todo espaço de guarida pública do patrimônio cultural e da memória poética. Penso também no professor, no estudante, no leitor comum e no público em geral que freqüenta as páginas estéticas sem o compromisso mais urgente com as instâncias cognitivas e pedagógicas, porém com aquele sentimento de que a poesia é sobretudo experiência de mundo, emoção da vida, descoberta e revelação existenciais, epifania cotidiana. Ora, um panorama como este também pode servir como iniciação. Como rito de iniciação à poesia da terra e também iniciação ritual à terra da poesia.


Hildeberto Barbosa Filho é poeta e crítico literário paraibano. Mestre e Doutor em literatura brasileira pela UFPB e autor de diversas obras no campo do ensaio e da poesia.

8/3/2006 17:37:00 - http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=1106

(Texto publicado no Correio das Artes da Paraíba)

20.4.06

Ordem nº 2 ao Exército das Artes - Vladimir Maiakóvski

A vós
- barítonos redondos -
cuja voz
desde Adão até a nossa era

nos atros buracos chamados teatros
estronda o ribombo lírico de árias.

A vós
- pintores -
cavalos cevados,

rumino-relinchante galardão eslavo,
no fundo dos estúdios, cediços como dragos,
pintando anatomias e quadros de flores.

A vós
rugas na testa entre fólios de mística

- micro-futurista,
- imagista,
- acméistas-
emaranhados no aranhol das rimas.

A vós -

descabelando cabelos bem-penteados,
barganhando escarpins por solados,
vates do Proletcult,
remendões do fraque velho de Púchkin.

A vós -

bailadores, sopradores de flauta,
amolecendo às claras
ou em furtivas faltas,
e figurando o futuro nos termos
de um imenso quinhão acadêmico.
A vós todos

eu -
que acabei com berloques e dou duro na Rosta -
gênio ou não gênio, tenho
a dizer: basta!
Abaixo com isso,
antes que vos abata o coice dos fuzis.

Basta!
Abaixo,
cuspi
no rimário,
nas árias,

nos róseos açafates
e mais minincolias
do arsenal das artes.
Quem se interessa
por ninharias
como estas: "Ah pobre coitado!

Quanto amou sem ter sido amado...?
Artífices,
é o que o tempo exige,
e não sermonistas de juba.
Ouvi
o gemido das locomotivas,

que lufa das frinchas, do chão:
"Dai-nos, companheiros,
carvão do Don!
ao depósito, vamos,
serralheiros,
mecânicos!"

À nascente dos rios,
deitados com furos nas costas,
- Petróleo de Baku! - pedem navios
uivando nas docas.

Perdidos em disputas monótonas,

buscamos o sentido secreto,
quando um clamor sacode os objetivos:
"Dai-nos novas formas!"

Não há mais tolos boquiabertos,
esperando a palavra do "mestre".

"Dai-nos, camaradas, uma arte nova
- nova -
que arranque a republica da escória.


(Tradução de Haroldo de Campos)

http://br.geocities.com/edterranova/maia13.htm

19.4.06

Mauro Mota, regionalismo e permanência - Cláudia Cordeiro Reis

O nome da placa azul cianótico,
o poeta vira endereço, freqüenta os “note-books”,
os cartões de visita, o guia da cidade, a lista dos telefones.
É citado quando alguém pergunta:
- Que rua é esta? O poeta entra nas casas com as cartas de amor,
os telegramas de felicitações e a ventania de agosto.
(Mauro Mota)

Há sempre um bom motivo para falar da obra de um poeta como Mauro Mota, mas o há muito mais para falar do homem que completaria 80 anos, em 16 de agosto deste início de século. Todos que tiveram o privilégio de conviver com sua sagacidade e humor, com seu talento, com sua bondade, com sua inteligência, jamais esqueceriam essa data.

Mas revisitar o mundo singular de sua obra é estabelecer um diálogo com o próprio Mauro, porque esse mundo recriado por ele está perfeitamente afinizado com seu caráter sempre cúmplice dos amigos, na alegria, na dor, na vida e na morte e, por isso mesmo, é canto imemorial, ontológico.

Mauro Mota está sempre incluído nos compêndios da Literatura Brasileira quando se fala, como Antônio Cândido, na “ala viva da Geração 45” e, em que pese a sua contribuição para as nossas letras com As Elegias – publicado só em 52 em livro, mas antes em jornais e revistas da época – poder-se-ia afirmar que, pelo uso das canções, odes, elegias, sonetos e outras concepções formais dos clássicos, ele estaria realmente de acordo com os cânones de 45. Além do retorno às formas clássicas, essa Geração, em oposição à de 22, debruça-se em uma preocupação filosófica “séria” diante da existência, negando-se, inclusive, à influência dos modernistas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, um dos seus aspectos bastante contestáveis.

Rachel de Queiroz, em Ata de 03.12.84, do Conselho Federal de Cultura, reclama a presença de Mauro em sua geração: “Mauro (..) de fato, é da geração de trinta. Só que brotou tarde, como ele dizia. Germinou tarde”, e Nilo Scalzo em “As Raízes Pernambucanas de Mauro Mota” – O Estado de São Paulo, 2.12.84 – aponta uma forte influência do grupo de 22 – principalmente Mário de Andrade.

Mas, imitando o seu criador – “de qualquer peraltice capaz” - a obra poética de MM está sempre endossando e paradoxalmente contrariando as três gerações – 22, 30 e 45. Em Jornal do Município, o “Soneto muito passadista na ponte da Madalena” nos dá o alicerce para essa afirmativa:

“Que lembrança ficou para mim do sobrado
da Madalena? (Vai passando o rio atrás).
Na frente, o jasmineiro e, no oitão, carregado,
o pé de fruta-pão e de sombras cordiais.

Na cumeeira Luís de Camões instalado
O avô de fraque, a avó entre os jacarandás
Da sala, na varanda, ou querendo, ao seu lado
O neto, de qualquer peraltice capaz.

Desta inclusive de mexer nas coisas mortas
As valsas de subúrbio, o oratório, a novena.
Que lembrança ficou do sobrado onde havia

Teresa? Neco prenda o cachorro e abra as portas,
porque me chamam, nesta noite, à Madalena,
o jasmineiro em flor e o piano da tia.

A “peraltice” de MM usa a irreverência de 22 para digressionar ela mesma, a partir, inclusive, da forma, o soneto, pois “Na cumeeira Luís de Camões instalado”. É o poeta que não assume dogmaticamente as propostas desse primeiro momento do Modernismo Brasileiro e que, em 30, já utilizava as formas tradicionais independentemente da proposta de 45. Em Haroldo Bruno - “A poética de Mauro Mota”, in Pernambucânia ou Cantos da Comarca e da Memória – encontramos a expressão mais coerente sobre a poética mauromotiana: “espelho convergente”, porque síntese de conflitos geracionais e confronto histórico, como nas obras realmente representativas.

Mas é comum falar-se do aspecto regionalista da obra de MM e não se pode negá-lo. Faz-se, no entanto, necessário verificar quais os matizes dessa tendência no seu estilo, que caminhos toma a referência do regional no texto: a exploração do pitoresco, do excêntrico tornando ilógica a relação do ambiente sócio-geográfico com o homem, como no Romantismo? Ou a exacerbada preocupação sociológica, de fundo positivista, como no Realismo? Ou, ainda, a perspectiva crítico-analítica da existência do brasileiro e do seu ambiente geossocial, como no Modernismo de 22?

Em Mauro Mota temos a maturidade do regionalismo de 22, que não se prende ao documentário e não esquece o estético, desde a transcrição da linguagem popular à descrição do espaço geossocial engendrados pelo escritor. Mas é a recordação, um dos recursos freqüentemente utilizados na literatura regionalista, a exemplo de Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, que, também na poesia de MM, instaura o deslizamento do real para a construção de um mundo novo, permitindo ao poeta incursionar para espaços míticos, para os limites universais da natureza humana. Utilizando a recordação, MM amplia o seu abarcar das coisas nossas que inclui os espaços urbano e rural.

O “Soneto muito passadista na ponte da Madalena”, transcrito anteriormente, correspondente à fase inicial do poeta (30), revela muito bem esse recurso. Nele o poeta instaura o “mexer nas coisas mortas” e, “Entre jacarandás”, se dilui em paisagem, em perfume do jasmineiro em flor, e na música do piano da tia, referências regionais resgatadas num novo universo lingüístico-semântico da realidade do texto literário.

Vale a pena ressaltar a percepção desse regionalismo-urbano, acentuado nessa primeira fase, para adiante quando em Elegias (1952), Os Epitáfios (1959), O Galo e Cata-vento (1962), Tempo de Farmácia (s.d.), Chuva de Vento (1964/1968) e Pernambucânia ou Cantos da Comarca e da Memória (1979), observa-se um equilíbrio entre as temáticas urbanas e rurais, impressas no autor que nasceu na cidade do Recife e passou a infância em Nazaré da Mata, zona canavieira de Pernambuco.

Sabe-se que a década de vinte foi cenário aqui em Pernambuco de uma luta ideológica entre as correntes regionalista e modernista que, inclusive, dividiu os dois grandes jornais da província em posições dogmáticas. Conforme Neroaldo Pontes Azevedo – Modernismo e regionalismo (Os anos 20 em Pernambuco) –“Os ‘regionalistas’, encastelaram-se no Diário de Pernambuco” e pregavam a conservação dos valores tradicionais como forma de se defenderem contra a onda de “modernismo”. “Por outro lado, os que divulgavam o modernismo, tinham como quartel general o Jornal do Commercio (...) e tinham como palavra de ordem imitar São Paulo, especialmente naquele primeiro grito de urgência na destruição do passado.” Neoraldo Azevedo cita ainda a obra de Ascenso Ferreira como síntese das duas tendências porque impôs-se de uma forma moderna subordinada a um conteúdo regional.

No entanto isso pouco nos ajuda na compreensão do matiz regionalista na poesia de Mauro Mota, como sugerem alguns autores. É Haroldo Bruno que define: “Nada mais longe de um poema regional de Mauro Mota do que um poema regionalista de Ascenso Ferreira...”.

É que a poesia de MM alcança uma complexidade estética tão perfeita que consegue manter-se à margem desses conflitos. As referências regionais, em sua poética, são, enfim, fruto de um “eu lírico” coerentemente comprometido com um universo de imagens, sons, perfumes e valores sócio-culturais que servem à instauração de um canto novo, o canto mauromoteano.

No espaço da recordação, o poema “Menino Doente” evoca a infância com as suas referências impressas no matiz regionalista personalíssimo do autor.

“Eram o pião, a bola, o realejo,
o trem de corda, a caixa de brinquedo de armar.
Longe da escola, eram os
dedos de mãe, penteando-lhe os cabelos,
a fruteira no quarto,
o açúcar-cande,
o resedá por cima da atadura.

Entre a cama e a janela, era o menino
com medo, não da doença, mas da cura."

Além dessa pequena análise que contextualiza e delimita o espaço nobre conquistado pela poesia de MM na Literatura Brasileira, não se pode deixar de lembrar que ele foi um artífice da palavra de tal competência que levou o crítico Ivan Cavalcanti Proença, em seu artigo intitulado “Boletim de um trajetória literária” – in Antologia em verso e prosa/Mauro Mota – desdobrar-se em uma análise do nível formal de sua obra e afirmar: “No soneto, Mauro Mora foi o único poeta pós-22 – e a afirmação resulta de muito pensar (e procurar) nosso – que conseguiu trabalhar ao nível formal com quase todas as variantes rímicas (esquemas e combinações), rítmicas (distribuição dos ictos), métricas, do clássico petrarquiano, ao soneto-hoje, libertíssimo, com a mesma força conteudística, mantendo aquela antiga dignidade do “casamento” soneto forma fixa/tema tradicional, poesia-poesia, ou valendo-se do soneto para registrar o simples, o “banal”, o momento que, a princípio, “não dá poesia”. Incrível que, com todo esse percurso, variado e heterogêneo, (fixo só na forma fixa) consiga dizer, o tal poema de significados, que afinal, é o que nos interessa.” (grifo nosso).

Com Elegias, Mauro Mota incrusta a sua presença definitivamente na paisagem literária brasileira, a ponto de se criar a legenda, até hoje usada nos meios intelectuais: Mauro Mota, o autor das Elegias. Nele, parte da observação de Proença é ratificada exemplarmente. Sob o signo da dor, pela perda da mulher Hermantine, o eu-lírico se desdobra em uma série de dez sonetos, como se aquela forma fixa fosse a “fôrma” necessária para domar a dor e transformá-la em arte:

"As mãos leves que amei. As mãos, beijei-as
nas alvas conchas e nos dedos finos,
nas unhas e nas transparentes veias.
Mãos, pássaros voando nos violinos.

Abertas sempre sobre os pequeninos,
Mãos de gestos de amor e perdão cheias.
Mãos feitas para construir destinos
no céu, no mar, nas tépidas areias.

As mãos que amei em todos os instantes
A carícia das mãos que iam colhê-las
Eram as rosas que colhiam antes.

Se parecem dormir, não as despertes.
As mãos que amei, que desespero vê-las
Cruzadas, frias, lânguidas, inertes!”

O mestre e poeta, César Leal, vem-nos advertindo que uma análise literária que se queira séria não pode dissociar a forma do conteúdo e, mais recentemente, tem informado que a redução teórica do conceito do lírico de Emil Staiger se encontra ultrapassada, talvez porque o eminente estudioso, especialmente em seu Conceitos Fundamentais da Poética, tenha-se detido mais profundamente nos aspectos conteudísticos da obra poética. Mas o caminho metodológico percorrido por Staiger se molda perfeitamente como instrumento de análise da trajetória lírica do grande poeta brasileiro.

No soneto citado anteriormente, por exemplo, a presença das “mãos humanas”, imagem recorrente em inúmeros momentos da poética mauromoteana, remete-nos, imediatamente, ao registro de Staiger: “(...) o autor lírico, para expressar estado de espírito sombrio, lança mão de imagens da esfera do corpo.” O poeta assombra-nos nessa recorrência com imagens inesquecíveis, como no poema “O Viajante”:

“........................
Angústia longa e cinzenta
de não partir nem ficar.
Transeunte na ponte entre
o cais e o barco do mar,
o barco dos emigrantes,
todos de 'mãos' amputadas,
que as 'mãos' ficaram no ar
e é um só gesto coletivo
de despedida e chamar.”

É importante observar aqui não só a imagem recorrente das mãos em sua obra, mas também a coerência que existe, na poesia de Mauro Mota, em relação ao modo de ser do lírico, a habitar espaços ontológicos, resvalando-se entre existências opostas, passado e futuro, tornando-as, como afirma Staiger, “uma unidade sem diferenciação”. Por isso a antítese de “despedida e chamar” de um único gesto, o gesto universal do adeus.

É nessa dimensão atemporal em que se abriga o eu-lírico, em sua “sólida sozinha solidão”. O caminho de volta está interceptado entre dois “abismos”, ou deixar-se entregue a ela, excluindo-se do mundo real, ou regressar ao vazio do mundo.

À medida que ingressamos pelos caminhos da poesia mauromoteana encontramos uma coerência profunda da sua cosmovisão que lhe lega uma integridade própria daquele que soube fazer do seu canto testemunho do Homem.

Desrealizando o cotidiano, o trivial, o regional e resgatando o imediato projetado num espaço mítico, universalizante, o poeta é fusão com a natureza de todos, porque:

“Paz na origem como
se tivesse existido sempre e não chegasse depois.
No silêncio que não veio e já havia
sem ter sido antes música ou palavra.
Paz da natureza cúmplice,
as sombras descendo do arvoredo sem tocar na folhagem,
os pássaros mudos abrindo os bicos
para recolher e levar longe o eco dos cantos anteriores.

Paz onde Luciana
escute o rumor da rosa abrindo.”

Bom seria que as ventanias de todos os agostos nos trouxessem a companhia do poeta. Abramos sempre todas as janelas.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Continente
Multicultural, de agosto de 2001.
_______________________________________
Cláudia Cordeiro Reis é professora especialista em Literatura Brasileira e editora dos sites Plataforma para a Poesia e Trilhas Literárias.

http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/trilhasclau22004.htm

18.4.06

Arranha-céu

Posto em ereção
o aço rijo
soterra o mijo
no chão

Um cão num alçapão
montado na cobertura
da investidura
do vergalhão

Alcança ao salto
do que se verga
com o que se rega
um bloco de asfalto

Amalgamado
em dorso e fibra
a quantas libras
desidratado

Condensa a cal
de pele turva
a fácies curva
degrau a degrau

Cada dorsal
articulada
e emparelhada
do animal

É um grito surdo
no tempo estreito
de um parapeito
intruso e ludo

Ao vento.
Cata-ventos nos andares.

Lucas Tenório

As Incandescências de Jaci Bezerra - Luiz Alberto Machado

Era 82 no Recife, quando conheci o poeta Jaci Bezerra. À época ele era um dos editores das Edições Pirata e da Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco. Um alagoano de Murici, desde 1960 residindo no Recife.

Nesse primeiro contato, ele me presenteou o volume "Lavradouro", livro com suas poesias, que me levou a musicar um deles, "A Lavra da Vida", apresentado em diversos shows que realizei.

Pouco tempo depois, estreitando o nosso convívio com encontros na inesquecível Livro 7 e nos bares da Rua 7 de Setembro, Jaci Bezerra estava sempre rodeado de amigos, como o filósofo e poeta Ângelo Monteiro, o poeta e editor Juhareiz Correya, o poeta Alberto Cunha Melo, o escritor e editor Paulo Caldas, entre outros, com as nossas cervejadas diárias.

Jaci era integrante da geração 65 pernambucana, já premiado com a peça teatral "O Galo" no Concurso de Dramaturgia Nelson Rodrigues, versão 82, promovido pelo Instituto Nacional de Artes Cênicas. E, no ano seguinte, encenava "O Auto da Renovação", pelo Grupo de Teatro da FUNDAJ [Fundação Joaquim Nabuco], quando propiciou, pelas Edições Pirata, o lançamento do meu segundo livro de poesias, "A Intromissão do Verbo", volume esse prefaciado pelo próprio poeta.

O ponto máximo de sua poesia eu pude testemunhar no volume "O Livro das Incandecências", lançado em 1985, pelas Edições Pirata e Alternativa Apoio Cultural. Neste livro, ele traz um poema, o "Neste canto finquei meus alicerces", que destaco:

Este livro é o livro dos remorsos
Inventário de um tempo hoje disperso:
Nele sou uma cor, e me despeço,
Sou também uma luz, e, nele, endosso
A sede de ternura e a minha fome
De ser só o que sou, nele me expurgo;
Eu, neste livro, não me evado ou fujo,
E aceito a cinza hostil que me consome.
Há muito quis fazer este inventário,
Mas me faltou o ócio da manhã,
Além do ócio, o sal, a palha, a lã
E o alfabeto mofado dos diários.
Ao escrevê-lo eu sou pedra e chama,
Memória de um momento perturbado,
Nele me oferto inteiro e tatuado,
Rendido à solidão que me reclama.
Escrevo uma canção para quem ama
E entre angústia e tormento se procura,
Vida que se renova e se tortura,
Insônia que me invade e que me inflama.
Aqui, contabilizo o Deve e o Haver,
O momento fraterno e a omissão;
Aqui, serenamente, o coração
Deixa o que fui e sou acontecer.

Nesta obra está uma declaração do mestre Wilson Martins: "Em nossa poesia contemporânea, Jaci Bezerra é uma voz nova, no sentido forte da palavra, não apenas por ser jovem, mas também e acima de tudo por trazer um timbre e um tom que só pertencem aos grandes poetas. Ainda é cedo para dizer se existe, de fato, uma Geração 65 na poesia brasileira, mas é fácil prever desde logo que nela, como em todas as outras, muitos serão os chamados e poucos os escolhidos, entre os quais Jaci Bezerra deve ser contado até prova em contrário".

No prefácio do livro, o poeta Alberto Cunha Melo escreve a "Incandescência Lírica": "O Livro das Incandescências é o único que consegue, até agora, dar uma medida correta e abrangente da imensidade de recursos texto-estruturais da poesia de Jaci Bezerra. É livro destinado a ser um clássico, não pelo seu rigor expressivo, mas, e ainda, pelo seu significado humanista, onde predominam dois temas fundamentais para nós: a infância e o amor, principalmente o erótico.

(...) Na verdade, esse é o livro mais pessoal e confessional de Jaci Bezerra. Um tiro no rosto da fria objetividade tecnocrática do formalismo brasileiro. Livro de suas danações e amores. Livro de sua verdade interior, ferro em brasa, incandescente depoimento de um participante e de um espectador fervoroso da vida.

Um livro todo em chamas vitais nordestinas, todo em incandescências passadas, presentes e futuras. Um livro!".

Vale a pena conhecer a obra de Jaci Bezerra.


http://www.sobresites.com/poesia/artigos/jaci.htm

16.4.06

O Relógio - Joaquim Cardozo

Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com uma perna de pau?

Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da ante-sala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta?
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feriu o espaço...
E o alvo sangue a gotejar;
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do seu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinza também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.

http://www.revista.agulha.nom.br/jcardoso.html#relogio

14.4.06

Augusto dos Anjos e a Escola do Recife - Flávio Sátiro Fernandes

Augusto dos Anjos e a Escola do Recife (*)

O tema que trago à consideração dos que compõem este Conselho Estadual de Cultura tem sido tocado, apenas, de leve, por quantos se interessam pela vida e pela obra do maior dos poetas paraibanos - Augusto de Carvalho Rodrigues dos anjos - cujo centenário de nascimento todo o Brasil, este ano [1984], comemora.

De fato, Agripino Grieco chama-o, de passagem, "epígono retardado da Escola do Recife"(1); Ferreira Gullar alude ao contato de Augusto com o "espírito cientificista que se tornara tradição da famosa Escola do Recife, a partir de Tobias Barreto"(2); Jamil Almansur Haddad proclama que a "geração de Augusto dos Anjos ainda é herdeira da escola do Recife, do pontificado de Sílvio Romero e Tobias Barreto e acaba sendo um florescimento brasileiro da poesia científica"(3); Pinto Ferreira, em considerações sobre a Escola do Recife, reconhece ter sido Augusto, "não diretamente ligado ao magistério de Tobias, porém influenciado pelo evolucionismo, dentro do clima ideológico da Escola".(4)

O tema, pois, não é original. Cabe-me, apenas, o esforço de tratá-lo mais demoradamente e, pela primeira vez, na província.

Dito isso, perguntaríamos: Que aproximações poderiam ser estabelecidas entre Augusto dos Anjos e a Escola do Recife? Que influências teria o nosso grande vate recebido daquele movimento? Quais os sinais dessas influências na obra de Augusto?

Para responder a tais perquirições e para exata compreensão das influências recebidas por Augusto das idéias em voga, ao seu tempo, no Recife, creio necessário expor, inicialmente, o que foi a Escola do Recife, suas figuras luminares, suas fases, as teorias nela discutidas.

A Escola do Recife

O que se convencionou chamar de Escola do Recife foi um movimento cultural de ampla repercussão, congregando pensadores, estudiosos, juristas, sociólogos, poetas, preocupados em debater os mais variados temas dentro de suas respectivas especialidades. A Escola do Recife não teve um ideário próprio e definido. Antes, foi um movimento heterogêneo, um cadinho de filosofias, de sociologias, de correntes literárias e jurídicas. Conforme assinala Pinto Ferreira, o grande esforço válido da Escola do Recife foi o convite ao debate filosófico e cultural.

A Escola teve, primitivamente, três fase. Digo primitivamente porque, consoante ainda Pinto Ferreira, "este movimento de idéias não ficou estacionado no tempo, os segmentos do tempo lhe foram indiferentes". Para o mestre pernambucano, a Escola do Recife "é um movimento dinâmico que sobrevive na atualidade, em uma nova fase de desenvolvimento".(5)

Primitivamente, pois, a Escola teve três fases: a fase poética, a fase crítico-filosófica e a fase jurídica. Durante essas três fases, vários nomes podem ser identificados como exponenciais da Escola: Tobias Barreto, sem dúvida, a maior figura do movimento, Castro Alves, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Martins Junior, Artur Orlando e outros mais.

O primeiro período - da poesia - iniciou-se de 1862 a 1863, conforme esclarece Clóvis Beviláqua.(6) Essa fase corresponde à formação daquela corrente denominada por Capistrano de Abreu, "escola condoreira", integrada por Tobias Barreto e Castro Alves, notadamente, bem como por Vitoriano Palhares, Guimarães Junior, Antônio Alves Carvalho, Xavier Lima(7) e Sílvio Romero. (8)

Lançam-se por essa época os fundamentos da poesia filosófico-científica.

Tobias Barreto embebe-se do panteísmo do "Ahasverus", de Edgar Quinet e em sua poesia já estremece "um brado de revolta de um espírito abalado pelos desgostos e pela filosofia do século".(9) Dessa fase é o poema O Gênio da Humanidade, síntese da evolução humana, provavelmente inspirado no Ahasverus. Outro de seus poemas, Ignorabimus, traz à tona preocupações religiosas do autor:

Quanta ilusão!... O céu mostra-se esquivo
E surdo ao brado do Universo inteiro...
De dúvidas cruéis prisioneiro,
Tomba por terra o pensamento altivo.

Dizem que Cristo, o filho de Deus vivo,
A quem chamam também Deus verdadeiro,
Veio ao mundo remir do cativeiro!...
E eu vejo o mundo ainda tão cativo!

Se os reis são sempre os reis, se o povo ignaro
Não deixou de provar o duro freio
Da travessia e da miséria o trato;

Se é sempre o mesmo engodo e falso enleio,
Se o homem chora e continua escravo,
De que foi que Jesus salvar-nos veio?...

E em outro, intitulado Epicurismo, defende essa filosofia de vida:

Se as crenças são um engodo,
Se falha o verbo da fé,
Se o homem se acaba todo
Com a matéria que ele é,
Se o coração nada aspira,
Se este bater é mentiroso,
Se além não há desfrutar,
Da vida a idéia suprema,
O grande, o sábio problema
É viver muito e gozar...

Também Sílvio Romero cultiva a poesia científica. E mais: foi seu ardente defensor, conforme assinala França Pereira, no Prefácio à segunda edição de A poesia científica, de Martins Junior.(10)

São, assim, Tobias e Sílvio Romero os precursores da chamada poesia filosófico-científica, que vai ter, ainda, na Escola do Recife, um teorizador e praticante apaixonado, na pessoa de Martins Junior, de que falarei adiante.

A segunda fase é a fase crítico-filosófica, iniciada pelos anos de 1868 a 1870 e que se estende até 1882, quando, com o concurso de Tobias Barreto para professor da Faculdade de Direito tem começo a fase jurídica da Escola.

Durante a segunda fase têm curso as mais diversas correntes filosóficas, críticas e religiosas, sobressaindo-se como autores mas acatados e discutidos Spencer, Heckel, Hartmann, Schopenhauer, Kant. Mas é fora de discussão que nessa época a Escola elege, por intermédio de Tobias, notadamente, o monismo e o evolucionismo, como as idéias principais de seu pensamento, a ponto de Luís Washington Vita, citado por Pinto Ferreira, observar que a doutrina adotada pelos pioneiros da Escola do Recife foi um somatório daquelas duas teorias.(11)

O evolucionismo teve, como se sabe, em Herbert Spencer um de seus mais importantes defensores. A nota fundamental que o evolucionismo spenceriano distingue na evolução é o progresso. Evolução significa progresso, conforme proclama o filósofo inglês em seu ensaio intitulado Progresso. O progresso, segundo Spencer, investe todos os aspectos da realidade. "Quer se trate - diz ele no ensaio citado - do desenvolvimento da Terra, quer se trate do desenvolvimento da vida na sua superfície ou do desenvolvimento da sociedade, ou do governo, ou da indústria, ou do comércio, ou da linguagem, ou da literatura, ou da ciência, ou da arte, sempre no fundo de todo progresso está a evolução que vai do simples ao complexo através de diferenciações sucessivas".(12)

E nos seus Primeiros Princípios, assim definia a evolução: "A evolução é uma integração da matéria e uma concomitante dissipação de movimento, durante a qual a matéria passa de uma homogeneidade indefinida e incoerente para uma heterogeneidade definida e coerente e durante a qual o movimento conservado é passível de uma transformação paralela".(13)

Ao lado do evolucionismo, a outra doutrina, também acatada pelos pensadores foi o monismo, cuja figura maior foi, sem dúvida, o filósofo alemão Ernst Haeckel.

Spencer e Haeckel dominam, por conseguinte, com suas idéias, o ambiente cultural do Recife, de fins do século passado [19] e princípios do atual [20], graças à ação intelectual de Tobias Barreto, o grande mentor da Escola do Recife, e da dos demais que o acompanhavam naquele movimento.
Finalmente, a terceria fase da Escola, a fase jurídica, inicia-se em 1882, ano em que Tobias presta concurso para professor da Faculdade de Direito do Recife. Despontam nessa fase, além do grande sergipano, as figuras de Clóvis Beviláqua, José Izidro Martins Junior e Artur Orlando, este mais sociólogo que jurista.

Deles, contudo, não nos interessa, aqui, a produção jurídica, valiosa, sobretudo aquela saída do espírito lúcido de Clóvis Beviláqua e consubstanciada no grande edifício jurídico que foi, sem dúvida, o Código Civil Brasileiro, promulgado em 1916. Não nos interessa, igualmente, a produção histórico-jurídica de Martins Junior, representada, sobremodo, por sua História Geral do Direito e sua História do Direito Nacional. Deste interessa-nos, sim, a sua produção poética, pois a ela estaria ligado Augusto dos Anjos como seguidor do gênero poético praticado pelo mestre pernambucano.

De fato, foi Martins Júnior um aficionado da poesia filosófico-científica. E tamanho era o seu entusiasmo a esse gênero que chegou a teorizar sobre ele, escrevendo e publicando um opúsculo intitulado A poesia científica, em que faz a apologia dessa poesia e de seus precursores em França e no Brasil e onde, a certa altura, diz:

"Os nossos literatos e poetas que hoje impugnam a poesia científica, ou têm de se sujeitar a ela dentro em pouco ou têm de desaparecer da liça. A lei da seleção permite que fiquem no campo apenas os mais fortes, isto é, aqueles que na luta descoberta por Darwin, a qual se realiza também na ordem moral, se puderem adaptar ao meio".

Em seu Visões de hoje podemos colher versos com estes, em que é flagrante a aproximação entre a sua poesia e a de Augusto dos Anjos:

Estendem-se no pó do solo os velhos cultos
Mitos fenomenais espalham-se insepultos
Numa grande extensão de esquálido terreno.
O ar é fino e puro; o espaço azul sereno.
Júpiter, Jeová, Osiris, Buda, Brahma,
Jazem no escuro chão sob esta lousa - a lama!

Como coisas senis, fossilizadas, negras,
Amontoam-se além as bolorentas regras
Da Bíblia, do Alcorão, do A Vesta e Rig-Veda.
Trôpegos, sem valor, curvos de queda em queda,
Fogem, na treva espessa, Adon, Moloque, Siva,
Ormud, Vichnu, Abriman, Baalath...

E mais:

Buscando demonstrar pela transformação
De uma simples monera a gênese do mundo
Orgânico; ensinando o dogma fecundo
Do progresso; afirmando a lei da seleção
E seu correlativo - a luta na existência!
Tentam reconstruir, fiéis à experiência,
O vetusto castelo informe do Direito
Que precisa de ser, sob outra luz, refeito!

Vemos, aqui, - Littré, Spencer, Buckle, Comte;
É a filosofia alevantando a fronte.
Ali - Haeckel, Pasteur, Darwin, Lyel, Broca;
É a ciência pura e refulgente roca
Que serve à fiação metódica dos fatos
Ou feios como a morte ou belos como os cactos.(14)

É bom salientar que essas três fases da Escola projetam-se no futuro, influenciando o ambiente cultural do Recife, do Nordeste e do Brasil, por muitos anos. Nenhum desses períodos se esgota no tempo que lhe foi atribuído mais para efeito didático, vale dizer, quando se iniciou a fase crítico-filosófica ou quando teve começo a fase jurídica, isso não significou o esgotamento dos períodos anteriores. Ao contrário, conjuntamente, as idéias poéticas, filosóficas, críticas, científicas, jurídicas, da Escola estenderam-se em larga por um vasto período da história cultural do País, como teremos oportunidade de salientar a seguir.

O Contato de Augusto com a escola do Recife

Augusto dos Anjos nasceu em 1884, quando já se encontrava em grande ebulição o movimento de que ora aqui tratamos.

Em 1903, com 19 anos, pois, ingressa na Faculdade de Direito do Recife, centro dos grandes debates de idéias, palco das apaixonantes discussões filosófico-cientíticas travadas pelos que faziam a Escola do Recife e seus seguidores.

E aqui nós temos uma comprovação da extensão da influência da Escola por um vasto período de tempo. À época em que Augusto freqüenta a velha academia, longe de arrefecer, o movimento levado a efeito por Tobias Barreto e outros permanecia influenciando, com toda vitalidade, a ambiência cultural do Recife, apesar de decorridos quase vinte anos da morte de sua figura maior.

Um depoimento eloqüente do quadro vivencial constatado àquela época é dadopor Gilberto amado, contemporâneo de Augusto dos Anjos, na Faculdade de Direito:

"O espírito de certas épocas penetra a gente de maneira que se aprende no ar, recebe-se a Doutrina dos tempos pelos poros mesmo sem ter estudado, passado os olhos por livro algum. Quase todo rapaz do meu tempo em Pernambuco era agnóstico, espencerista, monista... Havia, porém, uma minoria que, não chegando aos extremos, refugava o fenomenismo, o mecanismo e afirmava-se espiritualista, teologista. Como se ouve hoje, no Rio, perguntar: "Você é Flamengo ou Fluminense?", ouvia-se na Faculdade do Recife, no velho convento: "Você é monista ou dualista?" Fiquei sabendo como o século XIX, que acabava de morrer, interpretava o que Spinoza chamava substância, Descartes mecanismo, Leibnitz mônada, Kant a "coisa em si" e o que esse século deparava na palavra de Deus a Moisés - Ego sum qui sum".

Terá sido, porém, na Faculdade de Direito o primeiro contato de Augusto dos Anjos com as idéias da Escola do Recife? Terá sido lá o primeiro encontro de Augusto com Haeckel e com Spencer? Terá sido na Faculdade o seu primeiro conhecimento acerca da poesia filosófico-científica defendida tão ardentemente por Martins Júnior?

Certamente que não. Já se tem dito e repetido que Augusto teve um único professor de Humanidades - seu pai, Alexandre dos Anjos que, conforme assinala Francisco de Assis Barbosa, aplicaria o seu cabedal de conhecimentos como preceptor dos filhos desde as primeiras letras aos exames preparatórios e até mesmo ao ensino do Direito.(15) Observa, ainda, Francisco de Assis Barbosa que o "Doutor Alexandre Rodrigues dos Anjos possuía idéias abolicionistas e republicanas. Pelo menos, foi a fama que deixou, como a de ter vasta erudição, verdade que era em letras clássicas além de atualizado com a cultura do seu tempo, leitor de Spencer e até Marx, que citou num artigo "Considerações sobre o salário", por sinal antimarxista, estampado no Almanaque do Estado da Paraíba. Fora contemporâneo de Tobias Barreto, na Faculdade de Direito do Recife".(16)

É natural que, dotado de tal bagagem intelectual, tenha, como professor do filho, transmitido a este conhecimentos a respeito das idéias mais correntes ao seu tempo.

Contudo, essa ação paterna não terá tido força para influenciar a poesia de Augusto. Prova disso é a sua produção anterior ao término do curso de Direito, na qual encontramos versos que falam do amor, da vida, da natureza, de namorados, do mar, do sol, de luz, de estrelas. Aqui e acolá, uma nota de tristeza, de desalento, de desencanto, de desesperança. Jamais, porém, as perquirições de ordem filosófica, as preocupações, as indagações de toda ordem a respeito do homem, da natureza, do ser; jamais o cientificismo, com toda a sua terminologia esdrúxula e que haveria de ser uma das marcas indeléveis de sua poesia.

O que vai influenciar de maneira marcante o espírito de Augusto, assinalando novos rumos à sua poesia, é a sua estada na Faculdade de Direito do Recife, onde o estudo das idéias e das teorias que já lhe fora apresentados, certamente, por seu pai, vai ser revigorado ao sopro dos ventos que, na velha Faculdade, impulsionavam os espíritos jovens de então, consoante o depoimento já visto de Gilberto Amado.

Observa R. Magalhães Júnior que quando após a morte do pai, em janeiro de 1905, Augusto dos Anjos retornou ao Recife, a fim de prestar os exames do segundo ano de Direito, ao chegar ali encontrou a tradicional Academia abalada com a morte, no ano anterior, de José Izidoro Martins Júnior, o teórico da poesia científica, como antes enfatizei. E ressalta R. Magalhães Júnior: "Todo o barulho em torno de Martins Júnior - decerto excessivo fruto do entusiasmo generoso e pouco crítico da mocidade estudiosa - deve ter levado Augusto dos Anjos a dar especial atenção a seus versos e às teorias do poeta desaparecido, que influiu também sobre Cruz e Sousa, com quem se relacionou à passagem deste pela capital pernambucana em 1884, como "ponto" da Companhia Julieta dos Santos.(17)

Antes, a imprensa recifense já dera guarida a poesias de tom marcadamente filosófico-cientificista, inspiradas, sem dúvida, no epígono maior - até então - daquele gênero, ou seja, Martins Júnior. O jornal do Recife, por exemplo, publicara em 8 de abril de 1903, um poema de Uldarico Cavalcanti, intitulado Ao verme que primeiro tripudiar sobre o meu cadáver:

Podes tudo roer, verme putrido e imundo!
Esta é a tua missão: devastar a matéria.
Tu primeiro virás, depois virás segundo.

E milhões virão mais tripudiar, no fundo da cova onde
atirar-se a peste ou a miséria!

Podes tudo roer! Nada, nada te impeça
Na tua faina! Roe a mortalha, o caixão
Depois roe-me também: tronco, membros, cabeça
Tudo, enfim, verme, o que à tua gula apeteça
Mas não toques, maldito, o pobre coração.

Se tanto não saciar tua voracidade
Não toque o coração tua boca voraz,
Com o ciúme, as paixões, a tortura e a saudade
Que lá estão devastando a minha mocidade,
Tu te envenenarás! Tu te envenenarás!

E na edição de 24 de setembro de 1904, de autoria de José Gomes de Matos, o Diário de
Pernambuco publicava o seguinte poema:

Onto Sentimental
(Ao filósofo e mestre Laurindo Leão)

Quando te vejo, a tábida caveira
Dos meus olhos febris transfigurada
Pelos teus olhos rútilos... Na estrada
Repleta de urzes, cardos e poeira.

Quando te vejo, esvai-se a derrocada
Das leis morais em rápida canseira;
E lá, da treva ao clarão, do fogo à geada,
Vida nova melhor do que a primeira.

Como alguém, pela lei do transformismo,
Fez os seres nascidos das moneras,
Fez da monera um ser todo espontâneo

Tal dos teus olhos, flor do misticismo,
Faço nascido, ao som de mil quimeras,
O amor que vibra do meu crânio!

Como se vê, a poesia científica preconizada por Martins Júnior angariava adeptos e arrebanhava seguidores, mas só alcançaria a culminância com o gênio inigualável de Augusto dos Anjos.

As Idéias da Escola na Poesia de Augusto

Foi Eudes Barros que afirmou ter Augusto dos Anjos tentado versar em um livro de poemas todo o monismo e o evolucionismo de Haeckel e de Spencer. Retirado o que a afirmativa tem de exagero, nós vamos encontrar, efetivamente, na obra de Augusto sinais visíveis e evidentes dessa influência, pelo uso de termos e expressões próprios de algumas correntes filosóficas veiculadas no âmbito da Escola, pela referência nominal a alguns pensadores alemães nela acatados, pela adesão irrefutável à poesia filosófico-científica, capitaneada por Martins Júnior.

Termos como monera, substância, mônada, transformismo, homogeneidade, nous, pneuma, noumenalidade, expressões como teleológica matéria, energia intracósmica, energia monística, metafísico mistério, vida fenomênica, energia intratômica, motor teleológico, matéria dissolvida, referências expressas ou simples alusões a Haeckel, Spencer, Hoffimann, tudo isso, além das circunstâncias outras repassadas ao longo destas minhas palavras, reafirmam o óbvio, ou seja, a influência recebida por Augusto da Escola do Recife.

Estão no "Monólogo das Sombras" estes versos:

"Sou uma sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Polipo de recônditas reentrâncias,
Larva do caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.
Em minha ignota mônada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!"

Os dois tercetos a seguir são de "Agonia de um Filósofo", de 1912:

No hierático areópago heterogêneo
Das idéias, percorro, como um gênio,
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!...

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!

O célebre poema "Debaixo do Tamarindo", de 1909, contém esses dois tercetos:

Quando pararem todos os relógios
De minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,

Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra há de ficar aqui!

Está em "As cismas do destino", de 1908

Um dia comparado com um milênio
Seja, pois, o teu último Evangelho...
É a evolução do novo para o velho
E do homogêneo para o heterogêneo.

Vamos encontrar em "Noite de um visionário", de 1910, estes versos:

Depois de dezesseis anos de estudos
Generalizações grandes e ousadas
Traziam minhas forças concentradas
Na compreensão monística de tudo

..............................

O motor teleológico da Vida
Parara! Agora, em diástoles de guerra,
Vinha do coração quente da terra
Um rumor de matéria dissolvida.

Está em "Os doentes", de 1912:

Tentava compreender com as conceptivas
Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer nem Haeckel compreenderam...

Em "Psicologia de um vencido", de 1909, Augusto proclama-se, materialisticamente,

"...filho do carbono e do amoníaco,"

e em um de seus sonetos, de 1911, considera o filho morto um

"Agregado infeliz de sangue e cal".

No "Último Credo", de 1908, o poeta diz:

Como ama o homem adúltero o adultério
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro este ladrão comum
Que arrasta a gente para o cemitério!

É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério.

Creio como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolue...

Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!

Diversas outras passagens poderiam ser indicadas, se não fosse a premência do tempo com que eu preparei estas considerações, o que, afinal, resultou em proveito da paciência dos que aqui se encontram.

Notas:

(1) Poetas e prosadores do Brasil, Rio de Janeiro, Conquista, 1968, págs. 70/78.
(2) Toda a poesia de Augusto dos Anjos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, págs.14/18.
(3) Introdução a As Flores do mal, São Paulo, Abril Cultural, 1984.
(4) História da Faculdade de Direito do Recife, recife, UFPe, Ed. Universitária, 1980, I, pág. 27.(5) id., pág. 22.
(6) História da Faculdade de Direito do Recife, INL, Brasília, 1977, pág. 350.
(7) Clóvis Beviláqua, ob. cit., pág. 350.
(8) Pinto Ferreira, ob. cit. Tomo 2, pág. 83.
(9) Pinto Ferreira, ob. cit. Tomo 2, pág. 46.
(10) Prefácio de A poesia científica, Imp. Industrial, Recife, 1914, 2a. Edição.
(11) Ob. cit., Tomo I, pág. 24.
(12) Apud Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, Mestre Jou, S. Paulo, 1970, verbete "Evolucionismo".
(13) id., ib.
(14) Apud R. Magalhães Jr., Poesia e vida de Augusto dos Anjos, Civ. Brasileira, Rio de Janeiro, 1977, págs. 110/111.
(15) Notas Bibliográficas apensas ao EU, Liv. São José, Rio de Janeiro, 1965, 30a. Ed.
(16) id. Ib.
(17) R. Magalhães Jr., ob. cit., pág. 109.


(*) Palestra proferida no Conselho Estadual de Cultura do Estado da Paraíba, por ocasião das comemorações do Centenário de nascimento de Augusto dos Anjos, em 1984.

http://www.revista.agulha.nom.br/augusto18.html

6.4.06

A seca

Túrgida e rarefeita
vejo a seca
na folha de papel

Aqui do meu cinzel
a rachadura é feita

no balcão da cozinha

E a espinha de peixe
na lata de sardinha

Túrgida e satisfeita
a carcaça seca
na colheita e na pesca

Dois galos de sangue
um verde e exangue
outro ocre e matinal
colocam
sal no dia

Eu corto a seca
na lembrança que não tinha

Eu colho a penca
da palma
da mão

Eu digo não ao Sol vermelho
e na rachadura
há pinho
sol nos calcanhares de maria

No seu espelho
os meus olhos no seu ventre
para entre
galos
tê-la

fria e imaculada
ejaculada do meu falo.

Lucas Tenório

5.4.06

SEMANA DE 22 - Umas & Outras (24 de Fevereiro de 2002)

O jornalista Vicente Serejo, na sua coluna do Jornal de Hoje, critica o descaso das entidades locais – da Universidade, Governo e Prefeitura – para com os oitenta anos da Semana de Arte Moderna.

Foi Vicente Serejo quem ficou à frente das comemorações dos setenta anos da mesma Semana aqui em Natal, em 1992. Hoje essas comemorações seriam mais ricas ainda porque já existe uma produção razoável em todas as áreas de material referente ao modernismo. É o próprio Vicente Serejo quem afirma:

"... Temos coisas boas. Os estudos acadêmicos de Humberto Hermenegildo e da professora Ilza Mathias. A biblioteca de Câmara Cascudo, com edições originais de modernistas, muitas delas autografadas. Sua correspondência com Mário de Andrade (já publicada) e as cartas ainda inéditas de Manuel Bandeira, Joaquim Inojosa, Raul Bopp, Carlos Drummond de Andrade e outros. O excelente estudo de Francisco das Chagas sobre o poeta Jorge Fernandes e o Majestic.

Na área das artes plásticas temos o que mostrar, sim senhor. Se feita com profissionalismo, uma exposição mostraria: o Lula Cardoso Aires do acervo de Câmara Cascudo. O Embaixador Fernando Abbott Galvão tem dois óleos de Cícero Dias e também de Lula Cardoso Aires, além de outros e Elenir Fonseca tem um desenho de Portinari, além do acervo de Dorian Gray e de outros acervos particulares, inclusive os quadros de Erasmo Xavier, um pintor modernista dos anos vinte.

Como, então, pode ser um delírio da minha parte? E uma conferência de Neroaldo Azevedo, ex-reitor da Universidade Federal da Paraíba, considerado hoje o maior estudioso do Regionalismo nordestino? E o poeta e escritor Hildeberto Barbosa Filho, também professor da Universidade Federal da Paraíba e doutor em literatura brasileira? E os grandes gilbertianos como Edson Néri da Fonseca e Sebastião Vilanova, o sociólogo que domina a obra de Gilberto Freyre?"

E conclui, definitivo:

"...O que há mesmo é um misto de descaso com falta de grandeza. Somos marcados, em todos os níveis, ontem e hoje, por uma política cultural feita de eventos e, assim mesmo, fechada a grupos dali e daqui, num compadrio cultural marcado pelo colonialismo do prestígio pessoal e, algumas vezes, até da política partidária que fecha portas a uns e abre a outros, sem um critério isento. Aliás, achar que é delírio já é, por si só, uma prova disso tudo que acabei de afirmar."

http://www.umaseoutras.com.br/boletim/24_02_2002/