28.2.06

Carta à revista Superinteressante/Mundo Estranho

Antes de mais nada, gostaria de registar o meu apreço pela Superinteressante/Mundo Estranho, pelo trabalho inteligente e divertido de divulgação cultural que vocês fazem.

Quanto ao resultado do "duelo" Recife x Salvador no Carnaval, publicado na Mundo Estranho deste fevereiro, gostaria de dizer que, conhecendo Lenine, Antonio Nóbrega, Alceu Valença, o Cordel do Fogo Encantado, Claudionor Germano e o Maracatu e o Frevo em geral, e conhecendo a beleza das mulheres pernambucanas e do nosso Carnaval, seria mais apropriado dar o título de melhor Carnaval a Salvador se se considerassem os quesitos "Siliconadas" e "Decibéis", em vez dos que foram apresentados na matéria, Mulherada e Som.

Atenciosamente,

Lucas Tenório

26.2.06

A Pedra - Fernando Tanajura

A pedra preta faz penhasco liso
que a ave pousa e desliza leve
Do cume verde, Pedro viu a pedra
e quis voar, pensando que era ave

No ar nublado, quis voltar correndo,
pensando em jatos e asas recortadas,
sem refletir que o velho corpo inchava,
sem colorir o gás que a pedra dava

Voando baixo, coração partido
quis dar um grito alto, dolorido
Viu que era tarde, e a pedra nua urrava
que vida e morte em tudo comungava

A chuva forte desmanchou o sangue,
as linhas tortas, rubro-negras, mortas
Pedro que é pedra misturou-se torto
Novo rochedo nasceu preto, morto

21.2.06

Olinda - Carlos Pena Filho

"De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
A linha do horizonte.

As paisagens muito claras
Não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
Ou claridade somente.

Olinda é só para os olhos,
Não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tão verdágua e não se sabe
A não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
Mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
No olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
Só se reúnem na ausência.

Limpeza tal só imagino
Que possa haver nas vivendas
Das aves, nas áreas altas,
Muito além do além das lendas.

Os acidentes, na luz,
Não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
Nem há mar, nem céu, nem velas.

Quando a luz é muito intensa
É quando mais frágil é;
Planície, que de tão plana
Parecesse em pé."


PENA FILHO, Carlos (1983). Os melhores poemas. São Paulo, Global Editora.

http://www.uff.br/mestcii/patricia1.htm

19.2.06

Ariano Suassuna e João Cabral, por Gerson Camarotti

Encontro decisivo com João Cabral

Gerson Camarotti
Enviado especial RECIFE
23/08/2005





http://www.construirnoticias.com.br/asp/materia.asp?id=701

Há 50 anos, o dramaturgo e romancista paraibano Ariano Suassuna colocava um ponto final na obra que seria uma das mais populares do teatro brasileiro: o “Auto da Compadecida”. No mesmo ano, o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto também concluía “Morte e vida severina”, seu poema de maior repercussão. Os dois textos foram escritos no Recife de 1955. E não foi mero acaso, como revela Suassuna cinco décadas depois.

Segundo ele, as duas obras foram escritas num momento de grande troca de idéias entre os dois escritores. Nessa época, acusado de ser subversivo e afastado do Itamaraty, João Cabral voltou para o Recife, onde viveu por três anos. O dramaturgo e o poeta se aproximaram com o mesmo interesse: conhecer de forma mais profunda o romanceiro popular do Nordeste.

— Nós estávamos muito preocupados com o mesmo tema. A gente queria uma identificação entre o povo brasileiro do Nordeste e a literatura que esse povo faz. Nem João era e nem eu sou do povo. Tínhamos em comum a vontade de fazer com que a nossa literatura pulsasse em consonância com esse povo do Brasil real. Não se tratou bem de uma influência mútua. Foi um encontro. Isso aconteceu de maneira extraordinária — revela hoje Ariano Suassuna.

Folheto de cordel deixou João Cabral entusiasmado

Para marcar os 50 anos de pelo menos uma dessas obras, “Auto da Compadecida”, a editora Agir está lançando uma edição especial de luxo. Com ilustrações do artista plástico Dantas Suassuna, o livro comemorativo traz ainda textos do doutor em literatura Carlos Newton Júnior, do escritor Raimundo Carrero e do poeta Bráulio Tavares, além de fotos de montagens históricas da peça no teatro, no cinema e na TV.

O primeiro encontro entre Suassuna e Cabral ocorreu numa conferência sobre poesia que o irmão do poeta, Evaldo Cabral, promoveu no Recife. Ariano deu uma aula sobre o romanceiro popular.

— Lembro que João ficou muito entusiasmado, porque na aula eu li um folheto de cordel em que havia um pedaço em que o boi fazia um testamento. Num trecho, dizia: “Os ossos do boi Espácio/ dão mil pares de botão”. João achou isso maravilhoso.

A partir daí, a convivência foi intensa. João Cabral incorporou-se ao grupo Gráfico Amador, fundado pelo artista plástico Aloísio Magalhães e do qual participava Ariano. O poeta ficou tão animado que lançou pelo Gráfico Amador um pequeno livro, “Aniki-Bobó”, editado por Aloísio. Estimulado pelas experiências em arte gráfica, que tiveram origem com o pintor Vicente do Rego Monteiro, o poeta freqüentava as reuniões do grupo.

Foi num desses encontros que João ouviu de Ariano que no sertão de sua infância, quando alguém encontrava uma pessoa morta no caminho, tinha a obrigação religiosa de ajudar a carregar o corpo. A pessoa que ajudava dizia a frase-ritual: “Chega irmão das almas, não fui eu que matei não”. A frase que já havia sido transcrita na peça “Uma mulher vestida de sol”, de Ariano, está presente numa das principais passagens de “Morte e vida severina”.

João Cabral estava no seleto grupo de cinco integrantes do Gráfico Amador que ouviu a primeira leitura da “Compadecida”. Quando Ariano terminou de ler a peça, o poeta perguntou:

— Me diga uma coisa, você se desconverteu?

— De maneira nenhuma. Não estou falando mal da Igreja. Estou falando do que está errado nas pessoas da Igreja — explicou Ariano.

Poema perdeu as marcações para teatro

O curioso é que nenhum dos dois imaginava o sucesso que teriam “Compadecida” e “Morte e vida”. Até aquela data, Ariano já tinha escrito sete peças, sem ter sido publicado, e apenas uma fora encenada, com pouca repercussão. Já “Morte e vida” por pouco não caiu no esquecimento. O texto havia sido encomendado por Maria Clara Machado em 1954. Depois de pronto, ela disse que o Tablado não tinha condições para levá-lo ao palco. O poema perdeu as marcações para teatro e foi parar no livro “Duas águas”.

Apesar da amizade e troca de experiências sobre o romanceiro popular entre os dois escritores, as obras têm características distintas. Cinco décadas depois, o próprio Suassuna aponta as diferenças e traça um paralelo entre os dois textos:

— No “Auto da Compadecida”, o meu trabalho é mais de teatralização. Existe a presença forte dessas histórias populares dos folhetos de cordel. Já “Morte e vida severina” é todo baseado na invenção poética de João. Tem ligação com romanceiro, mas é um poema dramático com qualidade poética superior. Talvez, por isso, não tenha a possibilidade de atingir o povo como conseguiu a “Compadecida”. Não por minha causa, mas por causa das histórias populares.

(© O Globo)


http://www.nordesteweb.com/not07_0905/ne_not_20050822d.htm

18.2.06

Centenário do Frevo - Luiz Gomes de Sá


















http://www.vermelho.org.br/diario/2005/0914/0914_frevo.asp

Neste 9 de fevereiro [2006], terão inicio as festividades do Centenário do Frevo, pois a palavra frevo teve através do Jornal Pequeno sua primeira referência escrita no dia 9 de fevereiro de 1907, conforme documenta o historiador Evandro Rabello, em seu livro “Memórias da Folia” - O Carnaval do Recife pelos Olhos da Imprensa – 1822/1925”.

Decorrente da proposta do então Vereador Byron Sarinho, aprovada pela Câmara de Vereadores do Recife, o ex-Prefeito Gilberto Marques Paulo sancionou no dia 28 de abril de 1992 a Lei municipal nº 15.628, instituindo o Dia do Frevo, a ser comemorado anualmente em 9 de fevereiro.

A História nos conta ser em Pernambuco seu nascedouro, e esse registro oficial fortalece, ainda mais, nosso direito de propriedade sobre esse ritmo efervescente, que abriga três modalidades distintas: frevo de rua, frevo de bloco e frevo-canção.

Como se não bastasse sua natureza peculiar, que o destaca de tantos outros ritmos, suas três formas de execução expressam a grandeza dessa jóia musical que orgulha os pernambucanos.

Rico e exuberante, o frevo dá espaço, também, para belos poemas que o completam nos frevos canção e de bloco, e, ainda, oportuniza uma beleza coreográfica própria e única.

Ao longo desses anos, ele evoluiu, cresceu, e chegou à “glória centenária”, nada obstante tantas omissões dos poderes públicos que têm a obrigação de preservá-lo e propiciar que as gerações que se sucedem possam aprender e conceber tudo que ele nos oferece de grandioso.

Mesmo assim, enfrentando dificuldades, ele resistiu e ai está autêntico, vigoroso e envolvente em cada ciclo carnavalesco que se repete a cada ano, por conta de alguns movimentos isolados que vêm ocorrendo tal qual “trincheiras” que não se curvam às investidas alienígenas que nos ameaçam de tempos em tempos, como um “modismo” que já nasce insustentável, pela falta de essência e conteúdo que o identifique como grandeza cultural, e muito menos musical.

Sua imortalidade tem, também, como ancoradouro o Galo da Madrugada, que não adormece momento algum, tendo à frente o guerreiro Enéas Freire, que durante todo o ano energiza-se e contamina os foliões para mais uma jornada sempre vitoriosa que se repete no sábado de Zé Pereira.

No passar dos anos, o frevo teve mudanças em sua estrutura, a exemplo do frevo de rua Duda no Frevo, de Senô, que ousou nesse particular, servindo como - divisor de águas entre o antigo e o moderno -, mesmo contrariando figuras exponenciais e de respeito no cenário do nosso carnaval, como o saudoso e grandioso Maestro Nelson Ferreira.

No contexto, sem ferir sua essência, face aos novos conhecimentos, esse frevo trouxe um novo horizonte à concepção harmônica e orquestral, tendo, a meu ver, enriquecido sobremaneira a estética global desse ritmo majestoso.

Pertinaz como um “ancião” que não se dobra ao tempo, seus invisíveis “cabelos brancos” moldados ao longo desses anos confundem-se com os talcos que cobriram as cabeças de tantos foliões das épocas áureas dos nossos carnavais, confirmando sua maturidade, luta e galhardia, cujo vigor lhe fez permanecer vivo e altivo, apesar de alguns que não reconheceram durante todo esse tempo o seu valor para a música pernambucana.

Contudo, sempre contagiante, vem desbravando os anos, acelerando os corações das gerações, fazendo frever a cada ano os nossos exuberantes carnavais, deixando a grandeza de sua melodia ecoar mundo afora, tendo muitas vezes mais prestígio alhures do que em sua terra natal: Recife - Capital do Frevo...

Assim, ele finca sua resistência contra tudo e contra todos, perpetuando-se no cenário musical pernambucano como uma marca indelével, graças a sua estrutura rítmica, melódica e harmônica, - trilogia indissolúvel e inigualável -, fazendo inveja, quem sabe, ao seu primo rico: o Jazz.

Luiz Guimarães Gomes de Sá
Médico e membro da Academia Pernambucana de Música
www.lgprojet.com.br


http://www.usinadaspalavras.com/index.html?p=ler_texto&txt_id=14424&cat=1

16.2.06

Vitruviano

Engaste, pedra e torso
em via férrea
ruflado em rédea
o cavalo vapor

Cavalga alcantilada
em simbiose argêntea
a diligência
do motor

Olha-o a ambigüidade
em carne e do metal
proporcionada
do animal

E nenhuma dor passiva
na passada
descarrilada
da locomotiva

Fê-la mais que nada
além da pata-quilo
esculturada
em Vênus de Milo

Feito impotente aos pés
ferro e ardósia
na ataxia
doutro Moisés

Desenfeixada a derme
no coice intento
ao monumento
lingual do germe

Eviscerada e rente
na quadratura
caricatura
enclenque e quente

Vai circunscrito
à rosácea esfera
em litosfera
de antanho atrito,

O vitruviano chão
laçado a nó
varrido a pó
da ilustração.


Lucas Tenório

15.2.06

Patativa e Assum Preto

232 - O Desafio
Dois prá lá, três prá acolá.
(Exú, Santana, Itamaracá.)

A Pega:

Na rinha dois Galos do Sertão.
Um Pedrez outro Listrado,
Mas todos dois imbriagado
Com as cores do Azulão.

À moda do Feitor da Chapada do Araripe, das Aves Canoras.

A Licença:

Baco, Dionísio, Apolo, Homero e Virgílio
(Antônio, Januário e Vitalino.)

A Boa Nova:

Patativa, Assum Preto, a três palmos de Céu,
in natura, num Temporal Vocabular.

A munição:

Uma Baleeira de Algodão.

A Platéia:

A Academia, Sombrinha, Pedreira e Cal.
Lá o que se vê e se espera é a Hora em que o Amanhã
reverbera os laivos desse Festival.

O Metro:

Oito Baxo, de Pernêra e de Gibão.

A Sentença:

Diz o Rei da Cantoria:
(Patativa do Assaré)

"Uma singela bandêra
Bem no terrêro se via,
Homenage verdadêra
Do santo mês de Maria,
Na sala, inriba da mesa,
Umas quatro vela acesa
E de juêio no chão,
Uma muié paciente
Lendo vagarosamente
Com a cartia na mão."

O Mote:

Diz o Rei da Cantoria:

"Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô."

"Sou fio das mata, cantô de mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio,
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío."

"Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão."

"Prá gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de feijão
E a janta de mucunzá,
Vive pobre, sem dinhêro,
Trabaiando o dia intêro,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato."

"Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó."

"Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vêz andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero repará pra serra,
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um diluve de rima
Caindo inriba da terra."

"Sertão, arguém te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo que os teus mistero
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o que cantá."

O Rei do Baião,
(Luiz Gonzaga)
Com o Assaré engasgado,
O Peito a Couro Cru,
Encangado com um Bacamartêro,
Ensaia um Festim, um Luzêro,
Na Feira de Caruaru.

A Rendição:

Seu Luiz, tá a maió algaravia,
A grita, na Capitá.
De Agreste só mermo o nome.
Tá doce que nem bombone.
Muié das mais bunita,
Dasquela que só dá poesia.
E dos home... Ah..., dos home...
Só se vê Cabra da Peste!

Guto Imberbe,
essa istripulia foi de precisão.

Faço menção:

Mande.

Gil e Caetano ganharo um beju
Calibre Setenta e Dois?
Humberto e Zé Dantas, uma pexêra, foice
E a cartuchêra, é doze polegadas?
César uma Muié Macho
Deixe o Abraço, outra Rendêra
Tomaz, o seu xará, pergunta pelo gado
Tá todo marcado, com fivela de fita
Zé Ramalho um novilho em folha
Chico, no vêio, achô Rita, e Carolina
Essas menina, esses mandacarú...
Vou Elencar: Iracema, Rosinha,
Gabriela, Calú, Xanduzinha e Capitú.
E Noel deixou Filosofia
O ABC do Sertão?
Do Pau Brasil tirâro semente de Agrião
E Machado, facão de mão
Tem Madeira de Lei
Imburana, Paudalho, Gonçalo Alves
Mande ela ao mar para Xangai
Viajar
De Moacir uma foto dum bebê num parque
E se parece cumigo?
Do umbigo de Cartola um botão de rosa
Mande alforge de couro curtido
Lia uma Guirlanda de Flores
Que ela cante Escravos de Jó
Algodão no capuxo intactu e
Tem cactu da Amazônia
Deve ser de Vital Farias, o Uirapurú
Tem poesia de Drummond
E do Mundo uma bicicreta
Pra quê, si num passa na Estrada de Canindé
Ataulfo Manda laranja, qué?
As da bôa, e Bixada?
(Viram Aderaldo dando um nó num pingo d'água)
Que coisa boa, com cordão de Fumo de Rolo?
Adoniram manda um tijolo
Da Sala de Reboco?
Tem uns Morais de Copacabana
Tome chapéu e cigarro de paia,
Cana, rapadura, jiló
E aguardente do grotão
Uma Baiana com tempero de mão
Vatapá, angú, pamonha, juá,
Mel de engenho e Maria Bonita
Lee comprou uma calça pro irmão
Diga a ela que tem refrão de Eme Pê Bê.
Um deputado, enganado, te mandou
Um Canhoto
O da Paraíba?
Mais inriba, Adriana te manda Esquadros
Pra medir o Pajeú?
Catulo, tá apaixonado
E Dilermando manda a Alma Nordestina
Eu devolvo Sons de Carrilhões
Um tal de Carlinhos acendeu o candiêro
Dançando Baião, Xote, Côco e Tango
Viram duas Pele de Tatu Cola
Num poema de Décio
E eu que já vi dois guri jogando bola
Sivuca joga sinuca mais Laércio,
Cum taco da merma Escola
Tem gente querendo rever seus xodó
Leia Luar do Sertão, com Lupa
E Nubia Lafaiete em dó maior
Tem gente que a gente num esquece
Mande Cupuaçu de Igarassu, e do Agreste
Em cima do lombo dum jumento
Frutas cítricas as do momento
Farinha, feijão, charque, xerém,
Laranja, acerola, Orestes e Cartola
Acharam um medalhão num Pé de Serra.
Isso mermo, aqui também tem viola.
Lampião, Padim Ciço, Conselheiro,
Damião e Juazeiro rezando junto.
É, Guto, dou a mão à palmatória.

É, seu Lua, essa história vai render.
E merminho agora que o moinho
Voltou a moer.

Adeus mandou uma Asa Branca.
Amém.

O Desfecho, do Rei da Cantoria:
(Patativa do Assaré)

"Tu é belo e é importante,
Tudo teu é naturá
Ingualmente o diamante,
Ante de arguém Lapidá.
Deste jeito é que te quero,
Munto te estimo e venero,
Vivendo assim afastado
Da vaidade, do orguio,
Guerra, questão e baruio
Do mundo civilizado."

"Sertão amigo, eu tô vendo
Que os teu novo camponês,
Hoje ainda tão fazendo
Aquilo que os véio fez.
Que doce felicidade
Eu gozei na mocidade,
Nesta santa ingorfação!
Quando se acabava Maio,
Já começava os insaio
Do santo mês de S. João."

"Como o ricaço usuraro
Guarda uma moeda de ôro
Fiz do meu peito sacraro
E guardei estes tesôro.
E aqui, dentro do meu peito,
Inda tá tudo perfeito,
Não mudaro de feição
As duas fotografia,
Do santo mês de Maria
E das Festa de S. João."

FIM

E dizem que além do sol,
O Bem-te-vi, o Rouxinol,
O Colibri, o Sanhaçu,
(e muitos outros de bixu voador)
Voaram para além do sul
E pegaro uma dupla avenida...
Agora essa estória, querida
(o poeta faz nota da Musa)
E sei que tu é atrevida,
No mês de junho se conta
Feito colar de conta
Na Feira de Caruaru.

Lucas Tenório
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Bibliografia:

Cante Lá que eu Canto Cá - Filosofia de um Trovador Nordestino
- Patativa do Assaré.

Adriana Calcanhotto

Adriana.
Diacrônica Nana.
Anatematicana.
O ignoto intenta que te encana.
Não te ufana
o escroto,
Astuta,
O filho da puta é tira-gosto.
Euclidiana.

Com o rosto, posposto,
em vôo modulado de albatroz
Diva em vênus que emprenha Atenas.
Paris, adiana, no sêmen para helena.
Paraporcelana
Adriana Calcanhotto.

Lucas Tenório


Poema inspirado pelo show de Adriana Calcanhotto,
"Cantada", no Recife, na noite de 03 de maio de 2003.

Cabeças a prêmio

Era no Velho Oeste
Era no Cangaço do Sertão
De um lado eram as Volantes
De outro o bando de Lampião
Eram uns cabras apreçados
Não nos braços para algemas
Não nos pés para trabalho
Eram tidos como entulhos
Eram espécies de espantalhos
Para o bom e nobre esforço
Eram da fruta o caroço
Eram da polpa o bagaço
Pagava-se por cada um maço
Só um maço de cigarro
E se causavam pigarro
Na garganta normalista
Escarrados, babam, escorrem
Pelos dentes moralistas
Eram dos canibalistas
O seu prato preferido
Eram o sangue destilado
Pela sede do abstêmio
Eram homens, simples homens
Com os seus crânios a prêmio

Ai pegavam as cabeças dos filhos das putas
e dividiam-nas em hemisférios

E os homens sérios banqueteavam-se com sua massa
Sófregos, com uvas-passas
recheavam os cerebelos
e se à má sorte
um cabelo os engasgava
quanto impropério às mães dos degolados

Chegava a hora do acertado
a divisão da recompensa
aos risos, asseveravam

"O crime não compensa, porra!"

Alguém socorra essas cabeças
antes que alguém mais morra.

Lucas Tenório

13.2.06

Antonio Carlos Secchin e Anderson Braga Horta

Abaixo, os comentários do Professor Antonio Carlos Secchin e do poeta Anderson Braga Horta acerca do conjunto dos poemas - publicados neste blog - Açougue, Pedra de Toque, Pedra Angular, A face oculta da sombra e Papel de parede.
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De: Antonio Carlos Secchin
Para: Lucas Tenório
Data: 10/02/2006 20:15
Assunto: Re: Alguns poemas meus para sua apreciação

caro Tenório,
em geral não me manifesto sobre poemas via Internet, não só porque prefiro sempre lê-los sob forma impressa, como porque a demanda de leitura é algo excessiva, e, mesmo com boa-vontade, não poderia, infelizmente, dar conta dela, na proporção que me chega. Mas, apesar dessas ressalvas, não me furtarei a um breve comentário. Seus textos, inegavelmente, trazem marca pessoal, ainda que neles se localizem ecos de Augusto dos Anjos na obsessão temática e de Cabral na dureza da expressão, tão diversa da suavidade lírica de Pena Filho que você apôs ao conjunto [Nota de rodapé do e-mail]. Seria bom, a meu ver, que você experimentasse ampliar o leque temático de seus poemas, inclusive para desenvolver outros universos lexicais e tornar eventualmente mais fluida sua dicção, embora seja possível que você deseje exatamente o oposto, e, sob esse ponto de vista, nada haveria a alterar, e sim a preservar. Desejo-lhe sucesso, e fique com o abraço de
Antonio Carlos Secchin.
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De: Anderson Braga Horta
Para: Lucas Tenório
Data: 12/02/2006 20:28
Assunto: Re: Alguns poemas meus para sua apreciação

Meu caro poeta Lucas Tenório:

Você me envia alguns poemas para minha apreciação. De início, peço-lhe
que receba com a necessária reserva qualquer comentário, meu ou de outrem,
sobre o que seja e o que não seja poesia, que é algo que deve ser criado,
conquistado, revelado, mas de qualquer maneira interiorizado na mente e no
sentir do poeta: ele, pois, é que se deve capacitar à autocrítica.
Que posso lhe dizer, à vista dos cinco poemas enviados?
Alguma coisa sólida: que sua linguagem é boa, que sua metrificação é con-
vincente (com alguma ressalva talvez impertinente, mas, já que estou emitindo
opinião, devo ser franco: não me agrada, por exemplo, a leitura de córtex como
córtequis, como não me agradam, em geral, os hiatos).
E alguma coisa vaga: que você revela um certo cerebralismo à João Cabral;
não obstante, e paradoxalmente, uma tendência ao hermetismo (talvez uma fuga
deliberada à lógica que normalmente rege a face discursiva do poema). Este item
parentético me perturba a leitura de seus versos; não é o hermetismo de certos
simbolistas, que não exclui um vislumbre do "sentido" do poema, mas um
esquartejamento que o torna incompreensível, sem compensar isso com uma boa
dose de sugestividade, salvo melhor juízo. (É uma observação vincadamente sub-
jetiva, reconheço, mas é a que posso fazer.)
Finalmente, anoto uma recorrência do escatológico, sem necessidade visível.
Veja que a parte negativa de minhas observações é antes - digamo-lo assim -
de ordem ideológica, e a parte afirmativa se refere ao uso das "ferramentas" de
trabalho, o que o deixa, no meu entender, em boas condições para realizar uma
poesia de nível.
Receba esta crítica tosca, mas bem intencionada, como positiva, no balanço.
Você me diz que tem 36 anos; seu confrade aqui tem praticamente o dobro, (...).
Mas, assim como tamanho não é documento, idade também não é...
Receba os votos de sucesso e o abraço amigo de

Anderson

6.2.06

Pedra Angular

É pétrea a angulação
da hóstia ao intestino
Se é vera a oblação
do ovário feminino

Ovário em sangue e luz
na curvatura seca
urdidura resseca
de pele em ponto cruz

Costurada na foz
do oásis placentário
demais deficitário
do que também na noz,

Segrega pedra e areia
e então por sua tez
engilha mãos e pés
em encarquilhada teia

Demais desidratada
das marcas digitais
por traços minerais
de linfa emasculada

Estátua burla em sarro
por vida aparentada
moldura alienada
de boneco de barro

Moído na moenda
do canal da vagina
e coado na tina
Em boneca de renda

No assexuado ai
da gênese do grão
ressequido no chão
da semente do pai.


Lucas Tenório

1.2.06

Pedra de Toque

Há pedra em cerebelo
no córtex também
no metal de vintém
do grampo de cabelo

Do nódulo de carne
se pétreo fosse o intento
e carnal fosse o centro
da vagina de Carmen

Um centro unitário
em vão vereda e palco
corpúsculo urinário
de estilhaçado escalpo

Há pedra no clitóris
há nesse anel venéreo
de vulva em climatério
o espedaçar de um giz

Que pode ser lembrança
se meio aquoso fosse
o intencional que trouxe
o grampo ao pé da trança

Há cabelo no sol
que desidrata o grito
do gozo do cogito
embalsamado em pó.


Lucas Tenório